As criptomoedas estão cada vez mais no centro de muitas questões, formuladas por pessoas, empresas, autoridades do mercado e, consequentemente, pelos Estados.
O seu lugar na vida económica torna-se cada vez mais importante, como o comprovam os grandes investimentos feitos por indivíduos que as consideram refúgios seguros ou ferramentas especulativas, o impressionante aumento da aplicação de fundos em criptomoedas, ou até as muitas críticas relativas à sua volatilidade e ao consumo de energia (longe vão os tempos em que qualquer computador podia participar no processo de blockchain, a tecnologia de registo distribuído que visa a descentralização como medida de segurança e que está na base das criptomoedas, mas hoje as necessidades de computação e de velocidade de cálculo são tais que exigem processadores dedicados e sofisticados sistemas de alimentação energética e de arrefecimento) feitas à generalidade das criptomoedas e em especial à mais conhecida delas: o Bitcoin.
Tudo isto e a delicadeza do próprio problema levam a que a bordagem da temática das criptomoedas pelos poderes públicos assuma dimensões extra económicas e mais consentâneas com o conceito de geopolítica. Assim, e com o assumido objectivo de manter o controle, já se aponta o FMI para um papel de liderança no processo de coordenação internacional (ver esta notícia do Guardian), algo que se assemelha a uma tentativa de normalização do quase completo vazio em que actualmente vivemos.
Mas será uma boa solução propor a normalização de um processo que pretende criar uma alternativa ao actual sistema financeiro a um dos organismos que tem tutelado este sistema com os resultados conhecidos?
É certo que actualmente as diversas plataformas de troca de criptomoedas apresentam condições de funcionamento e de utilização diversas de país para país – que vão desde a diferença de estatuto legal, à autorização/proibição de pagamento e de conversão para as moedas nacionais ou até à existência de tentativas reguladoras – mas com a excepção da China, país que alberga a maioria das estações mineradoras (assim se denomina cada unidade computacional que participa num blockchain) mas onde tudo o que se relaciona com criptomoedas é proibido, não existe grande conformidade normativa. Este limbo é mais uma evidência do grande fosso que existe entre a velocidade de difusão da tecnologia e as políticas públicas que tentam recuperar o atraso para controlar e regular a novidade.
Novidade que mais não é que uma tentativa de criação de um meio de pagamento alternativo ao actual modelo de sistema monetário suportado em moedas fiduciárias – aquelas cujo valor resulta de uma mera convicção ou imposição de confiança mas sem qualquer outro suporte físico de valor – que funcionam na prática de forma tão perigosa e pouco sustentável como as modernas criptomoedas.
Deixando, por ora, de lado as questões de ordem técnica, ressalta a natureza geopolítica das criptomoedas quando se começa a constatar o interesse dos Estados no seu controle – estes tentarão por todos os meios evitar a perda do controle sobre os fluxos financeiros, mesmo do pouco controle que têm – e principalmente quando, como óbvia via para contornar as sanções económicas que lhes foram impostas por quem controla ou influencia o sistema financeiro tradicional, surgiram as primeiras notícias do interesse de países, como o Irão ou a Venezuela (ver aqui), na criação da sua própria criptomoeda.
Quando se regista um crescimento nos montantes de criptomoedas emitidas e são cada vez mais regulares as notícias sobre a movimentação dos principais actores internacionais, como a Rússia, que no início de 2018 propôs a criação de uma criptomoeda que associasse os BRICS e a União Económica Eurasiática (Rússia, Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e proximamente o Irão), ou a China, quando decidiu participar numa recém-criada Aliança para a Estabilidade Financeira com Tecnologias de Informação, a maioria dos Estados parece ter agora optado por uma abordagem de tipo mista; alegando os riscos de manipulação e os potenciais prejuízos a ele associados, tentam condicionar (ou até proibir) o uso das criptomoesdas pelos seus cidadãos ao mesmo tempo que procuram desenvolver a sua própria versão do fruto proibido, seja porque reconhecem as vantagens competitivas da tecnologia blockchain (quem ficar de fora arrisca perder competitividade para quem integrar o processo) ou por mais que não seja porque os custos associados às transacções das criptomoedas são vantajosos relativamente aos do sistema financeiro tradicional.
O grande problema é que o aumento da oferta de criptomoedas irá agravar ainda mais o já complexo sistema financeiro global, com resultados de duvidosa vantagem para o comum dos cidadãos, enquanto, pela positiva, a eclosão de iniciativas de cooperação internacional que indiciam um novo equilíbrio global ameaçam reduzir a influência do todo-poderoso dólar norte-americano.