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Domingo, Dezembro 22, 2024

Crise climática: “queimam os nossos direitos”

O novo relatório lançado pela Amnistia Internacional sobre a crise climática, “ Stop Burning Our Rights!”, analisa como o apoio contínuo dos países mais ricos à indústria dos combustíveis fósseis está a condenar milhões de pessoas à fome, à seca e às deslocações forçadas.

Apresenta também recomendações para que os Estados e as empresas enfrentem a crise climática, ajudem a população afetada a adaptar-se, e assegurem a resolução dos prejuízos causados. Por fim, mostra ainda a importância de uma transição justa, capaz de proteger os direitos humanos.

Os governos mais ricos do mundo estão a condenar milhões de pessoas à fome, à seca e às deslocações forçadas, com o seu apoio continuo à indústria dos combustíveis fósseis, referiu hoje a Amnistia Internacional. O novo relatório da organização faz um balanço profundamente negativo dos fracassos globais para proteger os direitos humanos das alterações climáticas, e descreve como a própria legislação internacional de direitos humanos pode ajudar a responsabilizar governos e empresas.

Antes da Cimeira de Líderes do G7 (11-13 de junho), a Amnistia Internacional realçou como os membros do G7 continuam a subsidiar a indústria do carvão, petróleo e gás, não dispondo de projetos credíveis para eliminar significativamente todos os combustíveis fósseis durante esta década. Todos os membros do G7 se comprometeram com a redução das emissões de carbono até 2050, mas nenhum apresentou uma estratégia adequada para restringir as emissões até 2030 – o ano em que as emissões globais devem diminuir para metade, a fim de evitar os piores cenários climáticos.

“Os planos climáticos pouco ambiciosos apresentados pelos membros do G7 representam uma violação dos direitos humanos de milhares de milhões de pessoas. Não são falhas administrativas, são um ataque devastador e em massa aos direitos humanos”,
Chiara Liguori, conselheira de direitos humanos e políticas ambientais da Amnistia Internacional.

“Historicamente, o G7, com outros países industrializados ricos, têm emitido o maior volume de emissões de carbono, assumindo maior responsabilidade pela atual crise climática. Têm mais recursos para a enfrentar – mas, até à data, as suas estratégias têm sido inadequadas e o seu apoio a outros países, muito escasso.

“Na Cimeira dos Líderes do G7, os governos devem comprometer-se a eliminar incondicionalmente todos os combustíveis fósseis, tão perto de 2030 quanto seja tecnicamente possível. Devem estabelecer regulamentos rigorosos que obriguem as empresas a transitar para as energias renováveis, e deixar de utilizar os impostos para subsidiar a mortífera indústria dos combustíveis fósseis”.

A Amnistia Internacional apela a todos os governos para que adotem e implementem planos climáticos ambiciosos, que espelhem os seus níveis de responsabilidade e capacidade. Os países industrializados ricos, incluindo todos os membros do G7, devem atingir o nível zero de emissões de carbono o mais rapidamente possível e próximo de 2030. Os países de rendimento médio com maior capacidade, como a China e África do Sul, devem guiar-se pelo objetivo de redução das emissões para metade até 2030, ou o mais cedo possível após essa data, chegando a zero até 2050. Outros países de rendimento médio e baixo devem ter como meta atingir o nível zero até 2050.

Todos os estados devem ainda assegurar uma transição justa para os trabalhadores e comunidades afetadas pelas alterações climáticas e pelo processo de descarbonização, adotando medidas para reduzir a pobreza e corrigir as desigualdades existentes no usufruto dos direitos humanos.  Isto requer que se dê prioridade ao investimento em energias renováveis produzidas de forma responsável, e à proteção social, ao mesmo tempo que se apoia a criação de novos empregos, verdes e dignos.

 

A queimar os nossos direitos

 O novo relatório da Amnistia Internacional, Stop Burning Our Rights! (em português: “Parem de queimar os nossos direitos!”), fornece um extenso plano ético e jurídico com indicações para que os estados e corporações enfrentem a crise climática, ajudem a população afetada a adaptar-se e assegurem a resolução dos danos que causaram. Mostra ainda como a legislação internacional de direitos humanos pode orientar governos, empresas, e ativistas no combate à crise climática. Em todo o mundo, o Direito Internacional no domínio dos direitos humanos está a ser cada vez mais utilizado para responsabilizar governos e empresas pelas suas falhas na abordagem às alterações climáticas.

Ao abrigo do Direito Internacional de direitos humanos, todos os Estados devem fazer o que estiver ao seu alcance para reduzir as emissões o mais rapidamente possível, mas este novo relatório analisa vários governos que continuam a falhar com esta obrigação.

A título de exemplo, de todos os países do G20 – que representam coletivamente quase 80% das emissões globais de gases com efeito de estufa-, apenas setes apresentaram à ONU objetivos de redução das emissões até 2030, o que se revela insuficiente para manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5 graus.

Na realidade, o apoio à indústria dos combustíveis fósseis está praticamente inalterado desde a entrada em vigor do Acordo de Paris. Durante a pandemia, muitos países do G20 forneceram medidas de estímulo económico incondicionais às empresas de combustíveis fósseis e aviação – apesar de conhecerem os riscos para milhões de pessoas.

Os Estados mais ricos têm a obrigação de ajudar os países com rendimentos mais baixos, nomeadamente através de financiamento adequado para apoiar a transição para energias renováveis, do auxílio na proteção de pessoas dos efeitos das alterações climáticas, e de soluções para as suas perdas e prejuízos. No entanto, também nestes aspetos têm falhado. Até agora, pelo menos três quartos do financiamento internacional do clima foram concedidos como empréstimos em vez de subsídios. Isto significa que os países com rendimentos mais baixos têm de utilizar os seus próprios recursos para cobrir os custos relacionados com o clima que lhes são impostos por outros, violando as obrigações de assistência internacional.

 

Transição justa

O relatório da Amnistia Internacional sublinha também a importância de uma transição justa, capaz de proteger os direitos humanos. Adverte que existem demasiados governos a tentar “seguir atalhos” que irão agravar as desigualdades, ao confiarem excessivamente em tecnologias não-comprovadas ou em mecanismos de comércio de carbono, que podem, eles próprios, ter um impacto catastrófico nos direitos humanos. Por exemplo, as grandes explorações agrícolas de produção de biocombustíveis para remover o carbono da atmosfera, e os projetos de conservação nos países do Sul Global para compensar as emissões dos países mais ricos podem comprometer a segurança alimentar, a subsistência e o acesso à terra de milhões de pessoas.

A descarbonização da economia é crucial, mas sem as devidas salvaguardas dos direitos humanos, as medidas de mitigação correm o risco de causar mais danos a grupos e pessoas que já enfrentam discriminação e marginalização. Além disso, atualmente, a maioria das tecnologias não consegue produzir emissões negativas substanciais. Confiar no seu desenvolvimento futuro é uma aposta perigosa.

“Grupos desfavorecidos não podem sofrer as consequências da inação dos governos ricos e da sua conivência com a indústria dos combustíveis fósseis”,
Chiara Liguori.

“Não há atalhos para salvar o planeta e a humanidade. A única opção é acabar rapidamente com a era dos combustíveis fósseis. Podemos ter direitos humanos ou combustíveis fósseis. Não podemos ter ambos”.

 

Informação adicional


 

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