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Segunda-feira, Fevereiro 24, 2025

Crise de futuro

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Com a progressiva implantação do 5G – o padrão de tecnologia de quinta geração para redes móveis e de banda larga, que as empresas de telecomunicações mundiais estão a implantar desde o final do ano de 2018 e sucede ao 4G que depois da novidade dos dados móveis introduzido pelo 3G trouxe o aumento de velocidade, deverá originar novos desenvolvimentos na área industrial, novas aplicações em matéria de segurança pública e novos avanços na realidade virtual, a possibilidade de monitorização da saúde à distância e de utilização de veículos autónomos e na agricultura de precisão, as cidades inteligentes e a Internet das Coisas – confirma-se a ultrapassagem do Ocidente pela China, apesar de todos os esforços realizados pelos EUA (desde as campanhas de desinformação até às mais prosaicas e evidentes manobras contra os principais promotores daquele padrão, como a Huawei) e a confirmação resulta das notícias que já rodeiam o 6G ou, na terminologia ocidental, a Open RAN (movimento que tenta tornear a dependência dos grandes fabricantes de equipamentos de telecomunicações chineses, como a Huawei) com a qual os EUA ensaiam outra técnica para recuperar a posição de liderança perdida.

Este objectivo é tanto mais claro quanto a Open RAN não se apresenta para disponibilizar melhores ferramentas ou melhor funcionamento, ou seja, ninguém ainda parece saber para que serviria o 6G senão para vencer a China e pior os recursos a aplicar nesta “novidade” irão prejudicar a implantação do 5G, que é reconhecidamente essencial para a transição digital e a competitividade das empresas ocidentais.

Paralelamente com esta “guerra” perfila-se uma possível substituição da chamada web 2.0 – a que há duas décadas permitiu a criação de ambientes propícios ao aparecimento das redes sociais e à sua mercantilização – por algo que poderá trazer uma nova descentralização e desintermediação, a par com uma desejável reafirmação das liberdades dos internautas actualmente perdidas.

Com esta perspectiva procurarão os poderes instalados (bancos, multinacionais, big tech), que tudo têm feito – incluindo a invocação da luta antiterrorista – para manter o controle da web através da regulamentação e vigilância da circulação de ideias, continuar a atrasar aquele processo. Os já anunciados aumentos das taxas básicas de alguns bancos centrais poderá ser mais um passo naquele sentido, embora ao nível financeiro tudo se apresente mais complicado, pois a acumulação de liquidez no sistema financeiro – em consequência das “bazucas” e demais estímulos financeiros decididos na sequência das últimas crises (incluindo agora a pandemia) – tem levado a uma desvalorização das principais moedas que assim agrava os riscos de inflação trazidos pela quebra das cadeias internacionais de distribuição – quebra que esteve na origem dos primeiros sinais de crescimento dos actuais níveis de inflação – e reduzindo ainda mais o impacto do esforço para o relançamento das economias, pois quanto mais crescer a inflação, mais caros ficam os apoios sociais e os custos de produção.

Exemplo disto e perante notícias de que a inflação nos EUA disparou para os 6,8% (atingindo um novo máximo desde 1982), foi o anúncio da Fed de endurecimento da sua política monetária, com a antecipação do fim da compra de activos e a previsão de três subidas das taxas de juro em 2022 ou o da subida das taxas de juro pelo BoE (Banco de Inglaterra); na Europa o BCE, sustentado numa inflação mais baixa e num discurso mais optimista sobre a natureza transitória das tensões inflacionistas, só prevê uma primeira subida das taxas em 2023. Porém, se a tendência de desvalorização do euro face ao dólar norte-americano continuar (já esta semana a moeda europeia caiu e ficou abaixo dos 1,13 dólares) e se os aumentos das taxas dos EUA continuarem a depreciar a moeda europeia a ponto de ultrapassar os ganhos competitivos que têm impulsionado as exportações europeias, talvez o BCE seja tentado a seguir a corrente e subir as taxas de juro mais cedo que o esperado.

O período mais previsível para a sua ocorrência será o segundo semestre do ano, porque sob a presidência francesa da UE e até às eleições presidenciais na segunda maior economia da Zona Euro, marcadas para finais de Abril, não se deverão registar alterações que contribuam para o rebentamento de uma nova bolha nos mercados financeiros ocidentais – crise que até o Bank of America antevê quando, ciente que os mercados estão fortemente impulsionados pelas acções das tecnológicas, avisa que o mercado tecnológico é a mãe de todas as bolhas –, assim fechando o ciclo da última década e forçando a repensar particularmente todas as estratégias de transição digital.

Nessa altura o Ocidente terá de fazer um balanço das opções que tomou para se manter na corrida a nível global, admitir que está cada vez mais dependente dos progressos tecnológicos asiáticos (e não apenas chineses) e que, muito provavelmente, a estratégia de privatização da investigação científica – com a agravante da participação europeia se mostrar excessivamente subordinada aos interesses norte-americanos – foi um completo fracasso.

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