Sinais de degradação social se espalham por todas as regiões do planeta.
Enquanto o presidente eleito Jair Bolsonaro se movimento para montar o seu governo, sustentado nas duas grandes vigas-mestras comandadas pelos superministros Sérgio Moro na Justiça e Paulo Guedes na economia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela os dados medíocres do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país. O crescimento foi de 0,8% na passagem do segundo para o terceiro trimestre de 2018, na série com ajuste sazonal.
Em relação ao terceiro trimestre de 2017, o crescimento foi de 1,3%. No acumulado do ano até outubro cresceu 1,1% em relação a igual período de 2017. Em valores correntes, o PIB alcançou R$ 1,716 trilhão. A taxa de investimento foi de 16,9% e a de poupança foi de 14,9%. O resultado foi influenciado pelos crescimentos verificados na indústria, cuja expansão foi de 0,9%, e nos serviços, de 1,4%, uma vez que a agropecuária apresentou variação negativa de 0,3%. O desemprego no período f oi de 12,3%.
O cenário econômico na América Latina não é menos desolador. O estudo “Millennials na América e no Caribe: trabalhar ou estudar?”, lançado no Brasil na sede do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, mostra dados alarmantes da juventude da região, a partir de informações de 15 mil jovens de 15 e 24 anos, moradores de áreas urbanas de nove países (Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Haiti, México, Paraguai, Peru e Uruguai) revelando em média 21% deles jovens, o equivalente a 20 milhões de pessoas, não estudam nem trabalham.
O trabalho, realizado pelo Ipea em parceria com a Fundación Espacio Público do Chile, o Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional (IRDC) do Canadá, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), revela que as possibilidades educacionais e as oportunidades do mercado de trabalho limitam o seu desenvolvimento e sua posição na sociedade.
As taxas dos não trabalham nem estudam são maiores no México (25%), em El Salvador (24%), no Brasil (23%) e no Haiti (19%). O número de mulheres chega a ser o dobro de homens, fenômeno que quase triplica em países como El Salvador e Brasil. A pesquisa indica, ainda, que 70% dos jovens que trabalham são empregados em atividades informais. Entre aqueles que estão dentro do mercado formal há uma alta rotatividade de mão de obra.
Comunicado do G20
Segundo o comunicado final da reunião de cúpula do G20, realizada recentemente em Buenos Aires, Argentina, o crescimento mundial tem se tornado “crescentemente” mais desigual entre os países. O documento avalia que há “questões comerciais” afetando a economia mundial, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para indícios de que a atividade mundial pode estar sofrendo desaceleração em ritmo mais forte que o inicialmente esperado.
Há, ainda, as tensões criadas pelos Estados Unidos com a China, temporariamente amenizadas com a trégua de 90 dias para se tentar um acordo. Contudo, as perspectivas não são animadoras. Como disse o economista Nouriel Roubini, dono da consultoria Continuum Economics e conhecido por suas projeções pessimistas, será muito difícil uma solução nesse período. “A menos que Trump pisque nesse jogo de quem pisca primeiro, enquanto a economia desacelera e os mercados corrigem mais. Nesse caso, provocar uma escalada na guerra comercial com a China não ajuda Trump”, escreveu ele.
A agencia de notícias chinesa Xinhua informou que cerca de 150 grupos comerciais dos Estados pediram à Casa Branca que solucione o problema. A mensagem foi enviada em uma carta ao presidente Donald Trump, assinada pelo Americans for Free Trade, uma coalizão de lobbys comerciais. “Milhões de agricultores, proprietários comerciais, companhias, trabalhadores e famílias americanos estão contando com você para fazer um acordo”, disse a coalizão. “A solução desta disputa é essencial para manter os Estados Unidos competitivos no cenário mundial ao mesmo tempo que faz crescer nossa economia e os empregos”, afirmou.
A crise se manifesta com força também na Europa. Desde que a social-democracia sofreu revezes estratégicos com o advento da “globalização”, forças políticas neoliberais passaram a dar as cartas, agora ameaçadas pela galopante ascensão da extrema direita. A Europa vive um clima de tesão com o ressurgimento de variadas formas de conflitos políticos. No aspecto econômico, há uma guerra verbal entre o que os setores mais conservadores dizem ser o norte rico e o sul endividado.
Abandono social-democrata
Em uma longa matéria a respeito, o jornal português Público diz que depois do terceiro programa de resgate financeiro concluído em agosto de 2017 e de oito anos de ajuste doloroso da sua economia, a Grécia não desiste das indenizações que exige da Alemanha pela destruição do país causada pela Segunda Guerra Mundial. Atenas voltou a exigir reparações, sinal de que o ressentimento, sob a forma da outra face da moeda da austeridade imposta, ainda permanece, segundo o artigo.
E acrescenta que esses são os mais recentes episódios, mas certamente não os derradeiros, fato que tem motivado a dicotomia propagada pela extrema direita de um Sul preguiçoso vivendo às custas dos laboriosos contribuintes do Norte. “Há um déficit de democracia e tecnocracia em excesso na Europa; a divisão do Norte, que se apresenta como produtivo, e do Sul, de preguiçosos, evidente durante a crise e que agora há divisão Leste-Oeste, pelos refugiados”, comenta ao Público André Freire, professor de Sociologia Política e de Políticas Públicas do Instituto Universitário de Lisboa.
Ele argumenta que as organizações europeias não têm pedigree democrático. “A própria Comissão Europeia tem uma legitimidade democrática limitada, indireta, não eleita, que advém dos governos nacionais que, contudo, não são eleitos com um programa para a Europa”, sustenta. “A única instituição com legitimidade democrática é o Parlamento Europeu, que não tem iniciativa legislativa, não forma governo nem tem poder de censura sobre a Comissão”, avalia.
André Freire diz que os “populismos” são “como as dores para o organismo”. Ou seja: um sintoma da doença. “Não é por acaso que na Europa os mais desprotegidos são os mais céticos, porque são os perdedores”, sintetiza. “Os social-democratas abandonaram de algum modo as classes baixas, falam para nichos eleitorais das classes médias e para as elites urbanas”, diagnostica,
O Público cita o recrudescimento dos ataques do norte ao Sul, como fez o ministro das finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, então presidente do Eurogrupo, ao dizer para jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung: “Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda.” Esse estereótipo de um Sul preguiçoso vivendo às custas dos contribuintes do Norte da Europa emergiu quando as ajudas financeiras, primeiro para a Grécia e depois para a Irlanda, se sucederam em poucos meses em 2010.
O pedido de assistência financeira de Portugal, anunciado pelo então primeiro-ministro José Sócrates em 6 de abril de 2011, coincidiu com as últimas semanas de campanha para as eleições legislativas na Finlândia. A obrigatoriedade de aprovação no Parlamento de Helsinque de qualquer pacote de ajuda aos países da zona Euro catapultou o tema para o centro do debate político e polarizou os discursos.
Gregos falidos
O aumento exponencial da base de apoio do partido de extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses” era um sinal de que o discurso preconceituoso pegara. “Aqui, no Norte, consideram-nos vacas que devem ser ordenhadas, mas temos algo a dizer e não vamos jogar dinheiro fora”, afirmou o líder do partido nacionalista, Timo Soini, que fez campanha sob o slogan “Os finlandeses primeiro”. Ao conquistar, no escrutínio de 17 de abril de 2011, 19% dos votos e 39 assentos parlamentares, quadruplicando o número de deputados de 2007, o partido tornou-se a terceira política do país.
A “falta de solidariedade” da Finlândia motivou editoriais em jornais portugueses e culminou no vídeo “O que os finlandeses devem saber sobre Portugal”, que se espalhou nas redes sociais. A participação no pacote de ajuda a Portugal acabaria por ser aprovada no Parlamento finlandês em maio do mesmo ano.
A ideia de que nos países do Sul se trabalhava pouco e se vive à custa dos contribuintes do Norte foi alimentada de forma agressiva na Alemanha, desde 2010, pelo tablóide de maior circulação, o Bild, informa a Agência France Press. Os “gregos falidos” foram, durante o período dos resgates, o alvo do jornal, que apresentava a questão de forma simplista: de um lado, estavam os gregos “que bebem grandes quantidades de ouzo (um tipo de bebida alcoólica), vivem com reformas douradas ou cometem fraudes fiscais nas suas ilhas soalheiras”; do outro, “os alemães, ‘que se levantam todas as manhãs, trabalham o dia todo” e têm sido durante anos a vaca que fornece leite à Europa, devido aos impostos que pagam”.
Na imprensa grega, segundo o Público, a resposta passou por evocar o passado nazista da Alemanha e a sua ambição de dominar a Europa. A chanceler Ângela Merkel e o ministro das finanças, Wolfgang Schäuble, foram retratados em caricaturas envergando o uniforme nazista. Uma pesquisa divulgada pela revista Epikaira revelou que 77% dos gregos acreditavam que a Alemanha pretendia instituir um IV Reich.
Alemanha cruel
A narrativa simplista de um Sul preguiçoso contaminou o discurso de figuras centrais da política europeia. “Em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem se aposentar mais cedo do que na Alemanha”, defendeu a chanceler Ângela Merkel na campanha eleitoral em maio de 2011. “Todos temos de fazer esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas”, comentou.
A tensão ganhou um tom mais acintoso em 2015, no processo de um novo acordo com a Grécia, nesta altura já liderado pelo Syriza de Alexis Tsipras, que acusara a Comissão Europeia de “terrorismo” e de “chantagem” sobre a população grega. A maioria dos alemães defendia a saída da Grécia do Euro e havia notícias de que Schäuble tinha proposto, no Eurogrupo, um Grexittemporário. Um acordo acabou por ser atingido, mas condicionado por um reforço das medidas de austeridade e uma lista de garantias adicionais para satisfazer os credores, incluindo um polémico fundo de privatizações no valor de 50 bilhões de euros.
Muitos comentaristas, críticos do acordo, falaram em “humilhação” do povo grego. O economista norte-americano Paul Krugman apelidou-o de “pura vingança” e, nas redes sociais, o hashtag #This is a Coup (Isto é um golpe de Estado) ganhou força no Twitter. O mal-estar estendia-se à oposição interna alemã, como ficou patente nas palavras de Reinhard Bütikofer, eurodeputado alemão do Grupo dos Verdes: “a Alemanha cruel, ditatorial e feia volta a ter um rosto e esse é o de Schäuble”.
Por Osvaldo Bertolino | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV (Reuters) / Tornado
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