Assunção Cristas vai liderar o CDS e disso não resulta mal nenhum. É isto que a consciência deve ditar ao machismo que, por preconceito, pode querer comentar imediatamente a escolha do partido conservador. Mas confessa-se um problema: sempre que vem à cabeça Assunção, vem agarrada a palavra “mulher”, o que está errado.
Explique-se isto: quando se pensa em Catarina Martins não se pensa que é uma mulher. Ou quando se pensa em Paulo Portas não nos passa pela cabeça que seja um homem. São pessoas, é disso que se trata.
Mas quando se pensa em Assunção há um lastro de machismo que não sai. Será que foi Portas que, quando louvou a dona de casa durante a campanha, acantonou-nos o pensamento sobre as senhoras do CDS às capas da Crónica Feminina? Ou terá sido a frase de Assunção que inquietou o pós-teísmo silogístico? Oiça-se: “Ao longo do tempo e da vida, fui tendo uma relação diferente com as três pessoas da Santíssima Trindade”, afirmou a ministra, assumindo que “foi o Espírito Santo o que chegou mais tarde”, sublinhou numa conversa com Maria João Avilez.
Cristas fez bem em ser mãe durante o seu mandato como Ministra, mas nunca fez pevide para defender, na legislação laboral, as mulheres que estão grávidas e vão parar ao olho da rua só por causa disso. Isto é: o Espírito Santo não lhe deve ter dito nada sobre a causa dos outros, só em causa própria. E este desconcerto entre o “eu mulher” e “as outras gajas pobres” provoca, inevitavelmente, o machismo.
A relação com esse poder fático é ainda mais delirante: “Deus é o Pai, aquele que desejo, aquele que está à nossa espera e um dia vou poder aninhar-me no colo d’Ele. Deus alimenta-nos num desejo de chegar a Ele”, afirmou a futura líder à mesma Maria João, numa frase que parece carecer de análise psicológica – ir aninhar-se no colo do Pai por desejo, isto é, quinar por vontade de colo, parece o início de um conto do João de Melo. Mas que os profissionais digam coisas.
O que estranho é ter que se defender por ser mulher. Isto é: eu não imagino se Catarina Martins, Isabel Moreira, Mariana Mortágua, Rita Rato ou qualquer outra política é casada, se é mãe ou não, se tem irmãos ou se gosta de Cristo mais do que de esparguete.
Mas Cristas fez disso propaganda e, depois, quando lhe perguntaram porque não era fada do lar, respondeu: “Acho que as mulheres se realizam de formas muito mais diversificadas do que os homens, não têm tanto o foco no sucesso profissional. Até porque a sociedade é injusta em relação aos homens: faz uma grande pressão para que o foco seja o trabalho e não outras dimensões, como a familiar”.
Ó minha senhora, e a senhora mudou a legislação das licenças de parentalidade e deu horas aos homens para ficarem com as crianças? E enfiou isso na cabeça do patronato, que pergunta logo pela “sua mulher” quando um homem telefona a dizer que vai ficar em causa com os putos doentes? E se acha tão injusta a forma como os homens são tratados, diga lá porque chumba a esmo a indiferenciação de género na adopção de crianças?
Enfim, o Espírito Santo nos ilumine.
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