Quando a editora Expressão Popular publicou a tradução do livro de Andrew Korybko ao português, no final de 2018, lembro-me de que as reuniões de análise de conjuntura mudaram de perspectiva, passando a reconhecer também no Brasil as novas táticas dos Estados Unidos para derrubar governos.
O livro passou a circular nas rodas de debate político a partir de outubro daquele ano, quando a Operação Lava Jato estava no auge do arbítrio. A estratégia jurídico-midiática havia levado Lula à prisão sob ameaça militar e passando por cima da garantia constitucional da presunção de inocência, tudo sob a aparente legalidade no apelo popular do combate à corrupção.
Outros abusos em sequência denunciavam a trama para sustentar as medidas de exceção, e nem mesmo a ONU, malgrado a decisão do Comitê de Direitos Humanos, foi capaz de garantir direitos políticos ao ex-Presidente.
Em visita ao Vaticano em dezembro de 2018, juristas da Argentina e do Brasil discutiram com o Chefe da Igreja Católica documentos das forças armadas dos Estados Unidos assumindo a técnica de guerra híbrida também por intermédio do sistema de justiça. Era o lawfare em ação contra o kirchnerismo e o lulismo, uma estratégia cada vez mais explícita e extremamente eficaz quando comparada a uma guerra tradicional.
Nas lições de Sun Tzu, o Mérito Supremo está em quebrar as resistências do inimigo sem lutar e, olhando em perspectiva, o caso brasileiro foi digno de honra ao mérito. A tese da guerra não-convencional ficou demonstrada com a humilhante colaboração de funcionários do sistema de justiça no centro da desestabilização dos interesses nacionais. Foram poucos os funcionários diretamente envolvidos, é verdade, mas foram incentivados pelo silêncio cúmplice de todo um sistema.
Somente em 2021 o Supremo Tribunal Federal decidiu anular os escandalosos processos contra Lula e também reconhecer a parcialidade e a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, mas a existência do lawfare, principal linha da defesa de Lula ou, por outro ângulo, o reconhecimento da perseguição política e da guerra não-convencional contra os interesses brasileiros, não foi expressamente admitido pela Corte.
Em rara manifestação, um dos Ministros do STF, Ricardo Lewandowsky, expôs claramente tratar-se de ilegalidade de agentes públicos na cooperação internacional em matéria penal, mas trata-se de indícios ainda pendentes de exaustiva investigação e que não prosperam por falta de vontade política e institucional.
Este não é um problema somente para o Brasil. O caso brasileiro é só o mais eloquente. Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai, Equador, Peru e atualmente também países centro-americanos, na estratégia Biden-Kamala Harris, recebem atenção do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para temas de combate à corrupção. O México, país prioritário em todo tipo de ingerência, tem buscado formas de defesa soberana especialmente contra ONG’s de transparência duvidosa.
Agora chega a vez de Cuba. E mesmo sendo uma realidade completamente diferente, aparece claramente a estratégia de desestabilização. Aliás, uma das características das guerras indiretas é exatamente o hibridismo nos meios e métodos, a mutabilidade das técnicas invisíveis, sorrateiras e em defesa das pretensões universais como democracia, liberdade, o fim das ditaduras, o combate às drogas, ao terrorismo e à corrupção. Além do mais, nós também sofremos as jornadas de 2013 preparando a desestabilização de 2016.
Em artigo recente, o jornalista Guga Chacra, ao sugerir que os protestos poderão levar a uma “primavera cubana” parece fazer eco à estratégia internacional de desestabilização da Ilha. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer razão no argumento do jornalista do jornal O Globo. Lá estão todos os elementos teóricos e estratégicos das revoluções coloridas havidas no oriente médio a partir de 2010: as ONGs com financiamento internacional, a propaganda, os discursos públicos, as marchas insurgentes, a fabricação de consensos, a guerra social em rede e várias adaptações não violentas teorizadas e experimentadas para levar ao fim de um regime.
Os protestos em Cuba, naquilo que possuem de legitimidade, trazem um dilema. Como podemos nos defender de um ataque híbrido? Como criar um sistema defensivo eficaz quando a mecânica central deste tipo de guerra silenciosa se vale de valores humanitários e solidários defendidos ideológica e sinceramente pelos movimentos sociais e populares? Eis um grande desafio para as sociedades democráticas e hiperconectadas do século XXI. Mas diferentemente do Brasil, o que não há em Cuba são funcionários subservientes e traidores dos interesses soberanos. Isso é coisa de Brasil.
por Carol Proner, Doutora em Direito, professora da UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF | Texto em português do Brasil
Fonte: Brasil247