Dia desses me deparei com uma matéria, publicada no Rádio Peão Brasil e compartilhada em um grupo do Whatsapp, intitulada “USP terá curso gratuito para meninas que quiserem se tornar cientista“.
Li a matéria e, sem acreditar, me pareceu que se tratava de um “curso só para meninas”. Esbravejei: “Acho bem péssimo ter um curso só para meninas, se entendi direito. É só para meninas? O que é isso? Voltamos no tempo? Se a ideia é incentivar mulheres a serem cientistas deveriam fazer campanhas para isso, não um curso que veta a participação de homens. Isso é discriminação e segregacionismo”.
Dias depois o assunto foi capa do jornal “O Estado de São Paulo” (30/08/18). Na matéria, a chefe do Laboratório de Estudos Paleobiológicos da UFSCar-Sorocaba, Mírian Liza Pacheco, afirmou que o projeto “mostra mulheres que se destacaram nos mais diversos campos da ciência”.
Outra entrevistada foi Luna Lomonaco, pesquisadora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME/USP). Ela disse que “enfrentou um caminho complicado ao longo de sua carreira, tendo de superar o machismo dentro de uma área predominantemente masculina” e que “a presença menor de mulheres na ciência não tem início na faculdade, mas na infância, quando meninas não são estimuladas a conhecer a área”.
Escrevi para a página Meninas com Ciência, no Facebook, perguntando: “o curso é só para meninas ou menino também pode se inscrever?”. Em poucas horas uma pessoa gentilmente me respondeu que o curso “é só para meninas”.
Não duvido da boa intenção em elevar o contingente de mulheres cientistas de quem promove o curso. Mas questiono de forma contundente a forma como isso está colocado.
Se existem poucas mulheres se formando em determinadas áreas da ciência, que tradicionalmente formam mais homens, não seria o caso de investigar o motivo pelo qual elas não procuram estas áreas? Não seria o caso de pensar sobre a educação primária, como levantou a pesquisadora Luna Lomonaco? Pensar em como a ciência é tratada nas escolas e apresentada no mercado de trabalho.
Discordo que não temos bons exemplos de mulheres na área científica no Brasil. Pelo contrário alguns dos nomes mais destacados da ciência brasileira são de mulheres como Mayana Zatz e Lygia da Veiga Pereira. Penso que no universo da formação e das ciências as transformações advindas da cultura e da educação devem dar o tom e servir de exemplo para a sociedade. Vetar a participação de um gênero em um curso de ciência é, neste sentido, um contrassenso. A separação entre homens e mulheres no processo de aprendizado pressupõe uma falta de respeito e dificuldades na convivência. E este pressuposto reforça um dogma no lugar de incentivar a evolução e emancipação do ser humano.
Como disse em meu comentário esbravejante, campanhas para isso poderiam a amenizar o “problema”. Mas segregar, além de não resolver, gera outros problemas.
Não será forçando a barra que teremos mais mulheres cientistas. Esse debate se insere no debate sobre o papel da mulher e sobre a igualdade de gênero. É uma questão mais profunda, que começa na primeira infância, não apenas com a família e a escola, mas com toda a sociedade.
Texto em português do Brasil
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