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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

Brasil precisa de investimento público e de emprego

O presidente da CUT, Sérgio Nobre, analisa cenário econômico pós-golpe, fala de arrocho salarial e previdenciário, precarização do mercado e desemprego e indica caminhos da luta para o Brasil voltar a crescer

O desmonte do Estado, a privatização das estatais, os ataques aos educadores e aos estudantes e à classe trabalhadora, com reformas como a da Previdência, que precariza a arrecadação e, consequentemente retira recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), vão provocar uma crise social sem precedentes no Brasil. E para reverter o caos social só há uma saída: priorizar investimentos públicos e gerar emprego imediatamente.

A análise é do presidente da CUT, Sérgio Nobre, e foi feita durante entrevista para o PortalCUT onde fez um balanço do que ocorreu em 2019 e apontou as principais lutas de 2020. De acordo com ele, o país poderá passar por momentos de protestos como os que vêm ocorrendo no Chile, onde a população está há meses nas ruas contra a política neoliberal de arrocho salarial e previdenciário do presidente Sebastián Piñera.

Para o dirigente, uma das lutas mais importantes dos trabalhadores e trabalhadoras e do povo brasileiro é a luta contra a retirada de direitos, a fome e o desemprego. Para isso, diz, é preciso haver investimento público, como fizeram os governos do PT, que utilizaram os bancos públicos e as estatais, como a Petrobras, para investir em grandes obras e gerar emprego e renda.

Sérgio alerta ainda para o desmonte de empresas públicas de pesquisa como a Embrapa e a Fiocruz. Para ele, não se desenvolve um país sem uma base industrial forte e pesquisa.

Leia a entrevista na íntegra:

Os ataques aos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, pós-golpe de 2016, foram muitos, mas também teve muita luta, derrotas e vitórias. Que balanço você faz deste período?

Quando nós sofremos um golpe em 2016 nós dissemos que o golpe não era contra o PT e nem contra presidenta Dilma, e sim contra o povo brasileiro e contra a classe trabalhadora, em especial, e que provocaria uma onda de retirada de direitos, que haveria um processo de entrega da soberania nacional, porque tanto os governos Temer quanto Bolsonaro têm a mesma estratégia. Eles querem que o país volte a ser um quintal dos Estados Unidos, subordinado com política externa e econômica. É disso que se trata e isso vem se confirmando ao longo do tempo.

O maior embate deste ano foi a luta contra a reforma da Previdência que eles comemoraram como vitória, mas foi uma vitória nossa, na verdade. Porque o que eles queriam era acabar com a Previdência pública como a gente conhece, com solidariedade. Eles queriam privatizar, como fizeram no Chile, que é a fonte de inspiração do Paulo Guedes , e não conseguiram por causa da luta popular que nós fizemos, com o enfrentamento no Congresso Nacional, as greves gerais, com destaque aos professores, que pararam o Brasil inteiro com apoio das demais categorias. E por causa da pressão e do diálogo que a gente fez com a comunidade.

Mas, o plano de destruição está em curso. O governo Bolsonaro quer acabar com o que resta da legislação trabalhista e vender as estatais, entre outras medidas. Ainda tem toda uma batalha pela frente, mas este ano foi um ano em que a gente impediu o avanço da marcha de retirada de direitos que eles pretendiam.

Depois de anos de estagnação da economia sem que os governos pós 2016, apresentassem qualquer proposta de desenvolvimento com geração de emprego e renda, a CUT e demais centrais construíram propostas para o país sair da crise. Quais são as suas expectativas sobre essas propostas?

Na verdade, os governos de direita, os liberais, partem do pressuposto de que para gerar emprego você tem que precarizar as condições de trabalho. E para isso é preciso acabar com a carteira assinada, com o FGTS e o 13º salário. Isso é uma falácia. O que gera emprego são investimentos.

Se você pegar a história econômica do Brasil, nunca foram feitos investimentos pela iniciativa privada ou pelas multinacionais e sim pelo Estado brasileiro. Em todo momento da história em que o Brasil cresceu foi impulsionado pelo Estado brasileiro e eles estão desmontando o Estado.

O desmonte do Estado e as medidas para restringir os benefícios previdenciários têm repercussão muito grave na maioria dos municípios brasileiros porque a maior renda que gira a economia nessas cidades é a renda dos aposentados que vem da Previdência. A gente costuma dizer que o grande banco social do Brasil não é o BNDES e sim a Previdência, que garante o consumo das famílias e, em grande medida as estatais, que são as empresas que impulsionam o desenvolvimento.

No governo do presidente Lula a decisão da Petrobras de fazer plataformas aqui e não no exterior retomou o setor naval que estava morto. Os programas de renda que foram feitos através da Caixa Econômica e do Banco do Brasil, porque Itaú e Bradesco não têm interesse em executar as políticas sociais nem em fazer empréstimo consignado para fazer o trabalhador comprar com juros mais barato, que permitiram que o país crescesse.

Os liberais vão na contramão, eles querem destruir o Estado, entregar as estatais, querem vender o Banco do Brasil e, isso é uma grande tragédia. E os resultados já estão sendo vistos, se você olhar a quantidade de famílias que está dormindo nas ruas é impressionante.

Nós estamos caminhando largamente para uma crise social jamais vista no Brasil, e pra reverter essa crise precisamos gerar emprego imediato e para isso o setor público é importante. Tem um monte de escola que está precisando de manutenção, é preciso criar equipes para reformar as escolas, as praças e retomar as obras de infraestrutura que estão paralisadas no país inteiro, que podem gerar empregos imediatos.

Agora a gente sabe que o governo federal não tem sensibilidade nenhuma, mas têm prefeitos e governadores que estão preocupados com isso e que podem implementar políticas. E é por isso que a proposta da CUT e demais centrais não é só para o governo federal, é para os prefeitos e governadores porque tem muita coisa que pode ser feita. A gente espera que haja bom senso de todo mundo para que a gente enfrente essa crise social que Bolsonaro e Guedes estão levando o país.

O ano de 2020 se iniciará com mais embates contra a Carteira Verde e Amarela, os ataques aos servidores públicos que, como você já disse, é um ataque ao serviço público no Brasil. Como a CUT vai organizar a classe trabalhadora para lutar contra essas medidas. Qual é a agenda para o início de 2020?

As estatais são nosso passaporte para pensarmos um futuro melhor para o país, porque é o Estado que induz o crescimento da economia e sempre foi assim. Permitir a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e das áreas de ciências e tecnologia, que é uma das coisas mais perversas que estão fazendo, é caminhar rumo ao caos. Nenhum país do mundo conseguiu dar um padrão de vida boa para seu povo sem uma base industrial forte, sem pesquisa e desenvolvimento. E eles estão acabando com tudo isso porque querem um país subalterno, e nós não podemos permitir.

A Petrobras não é uma empresa qualquer. É um instrumento de desenvolvimento do Brasil e de interesse nacional. Por isso, os petroleiros lutam contra a privatização da empresa. Mas a luta só vai ser vitoriosa se a população brasileira entender e apoiar essa luta. A educação é outro exemplo. Os professores defendem as universidades e o ensino público de qualidade, mas a luta só será vitoriosa se o povo entender que a educação pública é importante para o país. É na escola pública que se forma o filho do pobre, não na universidade privada, nem na escola de ensinos médio fundamental e médio privado.

Eles querem acabar com serviços públicos de saúde. Todos os trabalhadores rurais, 100%, não têm plano médico e vão se tratar no Sistema Único da Saúde (SUS). Os mais pobres, da periferia e boa parte da classe trabalhadora também não têm recursos para pagar plano médico e o governo quer sucatear o SUS, retirar recursos da saúde também.

Essa é uma luta decisiva, e é por isso que o movimento sindical brasileiro não pode se limitar a dialogar só com quem está empregado, nas fábricas e nos locais de trabalho, tem que ir para comunidade, para as feiras no fim de semana e debater com povo a importância do SUS, da educação e da Petrobras e não deixar o Bolsonaro destruir o Brasil.

Temos que conversar com a comunidade porque todo mundo tem que entrar nessa luta porque o que está em risco é o país que a gente quer para os nossos filhos e nossos netos, e isso é de fundamental importância e decisivo.

Pelo que você está dizendo são muitas lutas. Qual o calendário de lutas para o início de 2020?

Nós temos uma agenda importante no início do ano. Vamos começar 2020 lutando contra as privatizações, contra implementação de contratos de trabalho precários, porque tem loja que está contratando com jornada de 12 horas diárias, 15 dias consecutivos e a pessoa ainda é obrigada a ficar 10 dias em casa e não receber nada. Nem na escravidão tinha esse tipo de coisa que está sendo implementado no século XXI. Não importa se a legislação permite. Isso é indecente!

O movimento sindical tem que combater essa forma de precarização, onde tiver contratação assim tem que ter greve e impedir que se faça.

O 8 de março, que é o Dia Internacional da Mulher, uma data que sempre foi importante e com um governo de extrema direita que ataca as mulheres, homossexuais e negros se torna ainda mais importante.

Nós estamos construindo unidade numa mobilização chamada pela educação para o dia 18 de março e que nós vamos transformar numa grande mobilização nacional de todo mundo em defesa do Brasil e dos direitos. Isso tem que ser um marco da nossa luta no ano que vem.

E nós queremos fechar com um 1º de Maio histórico, como nós fizemos pela primeira vez este ano, com todas as centrais, partidos progressistas e os movimentos sociais. Em 2020 nós queremos ampliar. Todo mundo decente e que tem compromisso com Brasil tem que estar no mesmo palco e lutando para derrotar Bolsonaro e Paulo Guedes.

Qual a importância da união da CUT e demais centrais e das frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo na luta por direitos, democracia e empregos neste governo de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e Sergio Moro?

Com o tamanho do Brasil é importante que se tenha diversos movimentos com pensamentos diferentes, que se tenha centrais sindicais com concepções diferentes, porque pensamento único não é bom e te leva para o erro. O mundo inteiro é assim, você tem movimentos com pensamentos diferentes e centrais com pensamentos diferentes. O que não pode é na hora que o país e os direitos da classe trabalhadora correm riscos, não estarmos unidos.

Nós nunca estivemos tão ameaçados. A soberania do país, os direitos da classe trabalhadora e o futuro dos mais pobres estão ameaçados. Seria irresponsabilidade se cada um fosse cuidar do seu interesse particular e não pensasse um país para todos e todas e com os direitos dos trabalhadores. Os grandes saltos e conquistas que a gente deu ao longo dos anos de luta da classe trabalhadora foi quando tivemos a capacidade de nos unirmos. Quando a gente se dividiu e foi cada um paro o seu lado o resultado foi a derrota.

A relação do movimento sindical, partidos progressistas, movimentos sociais, igrejas, setores populares e demais centrais sindicais nessa conjuntura com Bolsonaro e Paulo Guedes é ainda mais importante.

A CUT foi uma das principais entidades que lutaram para a liberdade do ex-presidente Lula e as pessoas ficam se perguntando, o que tem a ver a liberdade de Lula com direitos? Qual a importância de Lula Livre e Inocente para a classe trabalhadora?

Nosso povo está voltando a passar fome, coisa que tinha acabado no nosso país e há risco muito grande de convulsão social. Vencer as eleições, tanto em 2020 e em 2022 , é muito importante para reverter as maldades que foram feitas.

Mas, para governar esse país, desmanchar as maldades, recuperar os direitos perdidos e o país caminhar, precisamos de liderança e força política. E com todo respeito a todos os candidatos e candidatas que se colocam como alternativa, o presidente Lula é a única liderança que eu vejo capaz de fazer isso.

O governo de Jair Bolsonaro já provou que faz política para a elite e para os patrões, qual a importância do fortalecimento dos sindicatos para lutar em defesa dos direitos e dos empregos?

Todos os empresários têm seus sindicatos e eles não são fracos. A Fiesp é um sindicato patronal, poderoso e vai unido defender junto ao governo aquilo que interessa a eles, como a retirada direitos da classe trabalhadora. Todos são muito organizados. Não conheço nenhum patrão que não esteja organizado em seus sindicatos, então, os trabalhadores e as trabalhadoras também têm de estar organizados.

Nós estamos numa era que todo mundo incentiva o individualismo, como se você não precisasse de ninguém, mas não é verdade. Tem coisas que você individualmente resolve e tem coisas que só de forma coletiva, participando de uma organização, é que você pode resolver.

A classe trabalhadora quando acorda de madrugada e vai para produção, ou para o banco ou para a escola está gerando riqueza e não pode permitir que os outros decidam o que vão fazer com essa riqueza. O trabalhador e a trabalhadora têm que participar dessa decisão, e ele não participa de maneira individual, tem que pertencer ao sindicato ou a um partido político. Por isso, que é importante a classe trabalhadora estar organizada.

Nesse governo de Bolsonaro e Paulo Guedes, se a classe trabalhadora não pertencer a uma organização e não fortalecer a sua organização nós vamos viver uma situação de volta a 100 anos, período em que os trabalhadores não tinham absolutamente direito algum. O preço de quem não faz política é ser governado por aqueles que fazem, então não podemos cometer esse erro.

E um exemplo disso foi a vitória dos bancários. Uma Medida Provisória [MP 905) que foi enviada ao Congresso Nacional, que obrigava os bancários a trabalharem de sábado e domingo e sem hora extra. Mas com negociação direta e com a força política que o Sindicato dos Bancários tem, os dirigentes colocaram os bancos na mesa de negociação e fizeram um acordo liberando a categoria para respeitar a jornada de segunda a sexta-feira. Por isso, que é importante ter sindicato forte, porque é como a gente fala: a luta faz a Lei.

Além de tudo isso, Bolsonaro quer destruir o movimento sindical. Como será esta batalha?

As centrais sindicais, nem a CUT, queriam colocar esse debate da estrutura sindical em discussão, apesar de importante. O mais importante é combater a fome e fazer o país voltar a gerar emprego de qualidade, mas Bolsonaro quer destruir o movimento sindical. Ele não quer fazer reforma nenhuma, ele quer desorganizar o movimento sindical para poder fazer as maldades que estão fazendo, acabar com a saúde e a educação. Para isso, ele precisa enfraquecer os sindicatos e nós estamos nos defendendo. Fomos ao Congresso Nacional com uma proposta que preserva a estrutura e o funcionamento do movimento sindical brasileiro, que tem problemas e precisam ser resolvidos.

Mas, no mundo inteiro a organização sindical é decidida em espaço livre por aqueles que vivem nessa relação, como os trabalhadores e os empresários. E Bolsonaro quer mexer na estrutura sem ouvir ninguém. Seu objetivo é precarizar as relações do trabalho.

Vai ser uma batalha importante porque se a gente preserva o movimento sindical e fortalece a classe trabalhadora, a tarefa de Bolsonaro de nos destruir não será fácil, porque aqui temos movimento sindical organizado e forte. A nossa tarefa de derrotá-lo também não será fácil e será uma batalha decisiva em que todos nós temos que nos envolver.


por Érica Aragão e Rosely Rocha, CUT | Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado

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