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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Da maledicência

J. A. Nunes Carneiro, no Porto
J. A. Nunes Carneiro, no Porto
Consultor e Formador

DIA 15, FALAMOS

A situação da pandemia que vivemos há meses tem evidenciado um conjunto de situações lamentáveis na generalidade da comunicação social.

“O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo.”

Agustina Bessa Luís (in “Dicionário Imperfeito”)

 

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A situação da pandemia que vivemos há meses tem evidenciado um conjunto de situações lamentáveis na generalidade da comunicação social.

Permito-me destacar duas que, especialmente, me irritam e desgostam porque, desde muito novo, sou um amante da leitura de jornais e de bom jornalismo.

Irritação: o papel de um verdadeiro jornalista é ser um mediador entre a realidade e os seus leitores/ouvintes/espectadores/internautas. Um mediador isento que observa, interroga, compara, estuda, enquadra e aprofunda os factos para os relatar com a máxima exactidão e com consistência (isto muitas vezes não acontece).

Desgosto: o verdadeiro papel de um jornalista não é compatível com esta mistura entre informação, espectáculo, sensacionalismo e, muitas vezes, leviandade e superficialidade (isto acontece demasiadas vezes.)

 

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O que está hoje a contribuir para esta situação global tem a ver, em grande medida, na busca permanente de resultados (tiragens, audiências, número de visitas aos websites, etc.) de que resultem receitas.

No entanto, o ideal seria o respeito pelos princípios deontológicos básicos que encontramos em qualquer manual básico de jornalismo. E não está provado que este modelo não seja rentável…

 

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Como é evidente, há excepções. A responsabilidade não é apenas dos jornalistas. As orientações editoriais e os grandes princípios de um meio de comunicação social também são da responsabilidade dos accionistas e da sua direcção editorial.

 

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Infelizmente, repito, a situação de degradação da qualidade da informação é evidente. Vejam-se sete exemplos:

  • A habitual confusão entre a expressão de opiniões (que tem de ser livre) e o relato dos factos (que tem de ser rigoroso).
  • O recurso excessivo a comentadores televisivos (muitas vezes oriundos de partidos) que em nada contribuem para a informação dos espectadores mas apenas servem agendas políticas e eleitorais.
  • A (quase total) ausência de investigação jornalística substituída pela voracidade da suposta actualidade, pelo “directo” sem enquadramento nem profundidade (muitas vezes com os repórteres destacados para o local onde as coisas estão a acontecer… a relatar alguma coisa… mesmo que aí nada se passe).
  • A subjugação ao efémero e à realidade imediata do dia ou do minuto: muitos assuntos (notícias, factos) fazem os destaques em um dia ou dois; e depois, como que por milagre, desaparecem do espaço mediático porque outro facto novo se sobrepõe. E depois outro, e depois outro.
  • A falta generalizada de monitorização dos espaços de “comentário dos leitores” que os meios online permitem tornando este espaço (que deveria ser de diálogo, de confronto de ideias, de partilha) num depósito de insultos e de desinformação.
  • A agressividade colocada em tudo o que se diz (e na forma como é dito) como se isso revelasse independência, acutilância ou objectividade.
  • A persistente maledicência procurando encontrar apenas e até à exaustão o que está mal, o negativo e o errado (sem a mínima preocupação de contribuir com informação ampla e esclarecedora que permita uma opinião ou um juízo de valor correctos por parte de quem está a ler/ver/ouvir).

 

5

Para terminar: qual é a solução? Será que a responsabilidade é só dos jornalistas? Não deveria a ERC intervir cumprindo na íntegra o seu papel de regulador?

Mas, do meu ponto de vista, todos nós (leitores, ouvintes, espectadores, internautas) podemos e devemos ter um papel crítico e, de certa forma, regulador. Temos o poder de exigir mais e melhor informação. Temos o poder de comprar (ou deixar de comprar) os jornais e revistas que não cumpram o seu papel. Temos o poder de não ver/ouvir e de desligar ou de mudar de canal.

Se continuarmos passivos e resignados, um dia não teremos informação digna desse nome. Não teremos jornalismo nem jornalistas. E esse será o primeiro dia do fim da democracia.


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