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Sábado, Julho 27, 2024

“Da poesia? Ou de como se justifica um ponto de interrogação.”

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Ao escrever este prefácio a pedido do poeta Jorge Viegas, sinto uma enorme responsabilidade e, ao mesmo tempo, uma grande alegria por estar a fazê-lo por um amigo que respeito e um autor que aprendi a admirar.

Outra coincidência feliz, é que, ambos recebemos a bênção ancestral quelimanense e somos provenientes do torrão zambeziano. Se bem me recordo, li algures que o sábio  Lao Tsé já afirmara que “A humildade é a maior das virtudes” e nós sabemos que a humildade é tão velha como a história da civilização humana.

Ao conhecer o poeta e o homem, pude constatar que a modéstia, por vezes exacerbada, é a sua principal marca/ característica/ virtude, embora não seja a única que possui. Trata-se na verdade, de um excelente poeta, cronista  e declamador moçambicano, hoje, na diáspora. Em várias tertúlias e encontros sempre elevou vários nomes quer das literaturas moçambicana e portuguesa, quer da literatura universal, chamando-lhes de poetas maiores, quase ignorando o seu. Embora estejamos de acordo em múltiplos aspectos da literatura, neste aspecto particular, permitam-me discordar dele.

Sempre acreditei que para que a nossa estrela brilhe não é necessário apagar a luz de ninguém. O mesmo se aplica no sentido inverso.

Pelo que, é de inteira justiça afirmar que ele próprio já faz parte de uma galeria de autores que ficará para sempre na história da literatura moçambicana e augurando futuros, também na literatura universal. A modéstia não conseguirá apagá-lo, ainda que, como poeta genuíno que é, procure “naturalmente” praticar zelosamente o poema.

Por outro lado, sempre acreditei que “o poeta se revela na generosidade com que se dá aos outros” e ele fá-lo com total entrega, sem nada esperar ou exigir em troca.

Esta publicação antológica, embora tardia (mas nunca é tarde demais para nada) é inteiramente merecida e faria todo o sentido se acontecesse numa grande editora. Infelizmente, as grandes editoras de hoje (e desde sempre) apontam as baterias recarregando-as nalguns nomes grandes que o são, na verdade, nalguns casos por um apurado trabalho de marketing comercial (entre outros) e não apenas fruto da sua grandeza de facto em termos de criação literária. Sempre preocupado com a estética, afirma convicto”… o poema só pode ser perfeito se o poeta for dos deuses o eleito”. Profundamente possuído pela modéstia, reafirma:

Sei que jamais farei um poema nitidamente meu.
A minha visão dos homens, das cousas e da vida, é visivelmente perturbada pela visão dos outros,
São os outros que olham, e não eu.”

Será isso a prática do poema? Não poderia deixar de especular sobre este aspecto. É por essas e por outras que acredito serem os poetas uma espécie de vendedores de passados que anunciam um futuro que não foi. Embora cultive obsessivamente a humildade desde muito jovem, como o prova este poema ”Carta a Régio”:

Vou tentar mascarar-me de palavras para saudar-te.
Sou ainda não o sabes, decerto, sacerdote da religião que tem um Rimbaud por Cristo…
Venho por mim, umbilical e subjectivo como tu, sensacionista e grande como uma pirâmide,
pedir uma carta de recomendação que me ponha de boas graças com o diabo…”.

Como dizia Rilke: Uma das provas ou desafios, a que tem de se sujeitar o poeta é que tem de permanecer inconsciente e ignorante em relação aos seus próprios dons se não quiser privá-los da sua ingenuidade e da sua pureza!”

Neste livro é difícil separar o conteúdo do autor do mesmo. E isso, é já por si bom sinal, na medida em que estamos perante a harmonia das palavras e a prática das mesmas ou pelo menos da crença nelas, há portanto, uma fusão total entre ambos. Por fim, as palavras revelam a estatura do autor.

Bayete pois então para o poeta!

 

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