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João de Sousa

Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Da transparência e da opacidade

J. A. Nunes Carneiro, no Porto
J. A. Nunes Carneiro, no Porto
Consultor e Formador

DIA 15, FALAMOS

Nos últimos anos têm sido frequentes as notícias sobre corrupção e assuntos relacionados. Não pretendo falar de nenhum caso em particular, mas gostava de partilhar uma inquietação que me persegue: as possibilidades de dissimular rendimentos provenientes (ou em circulação através) de paraísos fiscais são enormes sendo difícil investigar, produzir uma acusação, levar um tribunal a condenar se, efectivamente, tiver sido cometido um crime.

As polícias estão muitas vezes e ao fim de longos meses de pesquisa em becos sem saída. E nem sempre conseguem provas concludentes.

Pelo que se lê nos jornais, há também autoridades e, sobretudo, entidades bancárias de certos países que não colaboram com os investigadores. Por seu turno os alegados criminosos fazem sucessivas e erráticas transferências do dinheiro tentando (e conseguindo…) esfumar milhões, eliminar provas ou adulterar registos.

Num estado de direito, como é óbvio, não havendo provas inequívocas, não há julgamento e muito menos condenação. Muitas vezes, ao longo dos tempos, fui tentado a pensar que, numa outra escala e num outro contexto, afinal o crime compensa.

Como não sou jurista, há uma série de procedimentos, decisões e acções que me confundem e sobre os quais tenho sérias dúvidas e a maior reserva.

Pensando alto: uma pessoa simples e de rendimentos médios, familiar de um político de referência, aparece referenciada como tendo milhares ou milhões numa conta. Não o declare de imediato. Aplica parte desse dinheiro na compra de uma casa ou noutra operação. Questionado, não consegue explicar a origem das verbas acumuladas ou movimentadas.  Neste contexto, apesar das evidências ou das suspeitas, basta-lhe estar calado e aguardar que o prazo expire…

Com a ajuda de um bom gabinete de advogados, consegue ainda interpor recursos sucessivos ou provocar incidentes até que os prazos e se esgotem conseguindo que o caso prescreva e todos possam seguir em frente. Calmamente.

A situação é absurda e poderia resultar num empolgante argumento de uma série televisiva. Poderia até ser cómico se não fosse uma tragédia. Entre muitas outras questões, há situações que tenho muita dificuldade em compreender apesar de muito pensar no assunto.

E tendo a chegar à mesma explicação de sempre: a impunidade é uma arte a que, se juntarmos a desfaçatez, o à vontade e os contactos certos num paraíso fiscal ou nos corredores do Poder, são uma mistura explosiva e… de grande sucesso. Infelizmente, estas situações tendem a alastrar. E nós, cidadãos pagantes, vamos ter de ir inventando formas de colmatar os buracos financeiros e a mancha da corrupção e favorecimentos. Enquanto isso, alguns vão escapando entre os fios da chuva.

Francamente, não sei qual a solução para esta praga. Mas sei que algo tem de ser feito para colocar um travão nesta contínua e maldosa degradação do nosso sistema judicial e corrosão da nossa vida colectiva. Para impedir que o crime compense. Para evitar que os paraísos fiscais não tenham regras nem obedeçam à justiça. Para que não seja aceitável nem possível o enriquecimento sem uma explicação lógica e concreta. Para que haja transparência nos processos e lisura nas intenções. Para que este mundo opaco não continue o seu processo de contínua afirmação associado à subjugação de todos nós aos ditames de uma ínfima minoria.

 

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