DIA 15, FALAMOS
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A Justiça em Portugal está, há vários anos, numa situação confrangedora. Acumulam-se os casos de incompetência, ressaltam os inúmeros exemplos de desigualdade perante a Lei, de negligência, de absurdo abuso de recursos, de sensação de impunidade de que alguns arguidos gozam, da loucura dos enormes atrasos dos processos, das prescrições aceites como “normais”, de… Enfim a lista pode ser muito mais longa.
A situação não só é confrangedora mas, pior do que isso, é uma ameaça para a democracia e para o Estado de Direito consagrado na Constituição:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.” (artigo 13º); “1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.” (Artigo 202º); “2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.” (artigo 202º).
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Assim sendo, como explicar o caso da fuga do ex-Banqueiro João Rendeiro? Como compreender que um criminoso já condenado (e, ainda, com mais dois processos pendentes…) se passeie em Portugal, viaje para o estrangeiro e, depois, se declare em fuga manifestando a sua vontade de não regressar?
Será que os crimes pelos quais foi condenado (e pelos quais ainda é suspeito) são meras trivialidades ou actos de desespero? Não me parece: estão em causa muitos milhões de euros. Trata-se de condenar actos de gestão um banqueiro que usou um banco para acções que mais parecem verdadeiros assaltos às bolsas dos seus clientes.
Se este criminoso tivesse outro estatuto, teria já estado em prisão preventiva. Se a Justiça efectivamente funcionasse, a fuga não teria sido possível. Se ainda houvesse sentido de responsabilidade…
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Infelizmente, daqui a duas ou três semanas, a comunicação social vai dar cobertura a outro episódio mais mediático e este criminoso poderá gozar uma reforma tranquila algures no mundo e tendo um nível de vida muito superior à esmagadora maioria dos portugueses.
Actores políticos, magistrados, juízes e outros lamentarão no espaço público esta situação. Mas, provavelmente, nada será feito para alterar a legislação tão permissiva. Nada acontecerá até ao próximo escândalo e ao outro que vier em seguida.
O caso deste criminoso em fuga apesar de já condenado não é só um caso judicial. É, antes de mais, uma vergonha. Mas não só para Justiça portuguesa que devia saber actuar, acusar, julgar e, se comprovado o crime grave, prender. Vergonha também (e muita) para o Governo, os partidos e os deputados que têm o poder efectivo de alterar a lei.
A Justiça está numa situação cada vez mais insustentável. O principal efeito até nem é a fuga de um criminoso. A grande questão que se coloca é a do crescente descrédito das instituições aos olhos dos cidadãos. E isso pode ser irreversível.
Uma Justiça sem justiça? Até quando?