Realizador de O Senhor Manglehorn, com Al Pacino, que estreia esta semana, e ainda Profissionais da Crise, com Joaquim de Almeida e Sandra Bullock
Lisboa-Texas. Tem sido essa a trajectória de David Gordon Green. Ou seja, Estoril, Sintra e arredores onde procura locais de filmagem para o seu projecto que irá desenvolver com Joaquim de Almeida. Entretanto, participa como convidado no Lisbon & Estoril Film Festival, onde apresenta a sua carreira em retrospectiva. Isto numa atura em que estreiam entre nós os seus dois mais recentes projectos, Malglehorn, já esta semana, e Os Profissionais da Crise, agendado para a próxima semana, dia 19. Em comum têm o facto de serem ambos grandes filmes e de nos darem o melhor dos protagonistas: Al Pacino, Sandra Bullock e Joaquim de Almeida.
O Jornal Tornado foi encontrar o realizador no Hotel Intercontinental, no Estoril, e apurou todas as novidades sobre este projecto que acompanha os bastidores de uma campanha presidencial gerida por estrategas de campanha. Aqui se vive uma luta sem quartel sobre o poder e que conta com o protagonismo de Joaquim de Almeida na pele de um candidato presidencial boliviano, inspirado no documentário que acabou por inspirar este filme (Out Brand Is Crisis, de Rachel Boynton), e ainda Sandra Bullock, a estratega que assume o papel de o fazer recuperar da distância das sondagens, mesmo com recurso a manobras populistas, demagógicas ou, caso necessário, com recurso a sabotagem política. Ou seja, a política nos seus contornos mais audazes.
Seguramente, um filme que adquire uma ressonância particular no actual momento político da nossa sociedade, como nos confirma o próprio realizador de 40 anos. Ele que já abordara dramas de comunidades rurais, como em George Washington (2000), Contra-Corrente (2004), o delírio da comédia desbragada, em Alta Pedrada (2008), com James Franco e Seth Rogen no mínimo, endiabrados, mas igualmente o isolamento de Prince Avalanche ou Joe (ambos de 2013). Como se vê, um realizador de horizontes largos.
Ao longo da sua carreira tem realizado filmes bem diferentes, como a comédia alucinada Alta Pedrada (2008), o drama pessoal O Senhor Manglehorn (2014) ou comédia satírica Os Profissionais da Crise. São decisões que acontecem por acaso ou existe aqui alguma outra justificação?
Não existe uma justificação. Quando se vai ao cinema também não se quer ver sempre o mesmo filme, não é? Quando leio um bom guião procuro encontrar uma oportunidade para fazer algo diferente. Não que isso tenha algo a ver com o que fiz antes. É apenas algo que me inspira de forma criativa. Por mim, quero sempre seguir em frente até haver alguém que me diga que não posso.
No entanto, com O Senhor Manglehorn e Os Profissionais da Crise senti uma mesma intensidade, do início ao final. Percebe-se que o filme foi muito bem pensado e que escolheu os actores acertados para os papéis. Sente que essa é uma prioridade para fazer os seus filmes?
Sim, como disse, é importante ter bons actores. Por isso, se conseguir um bom actor a trabalhar no meu filme, isso significa que estou a fazer o meu papel. Por outro lado, tento criar um ambiente criativo para que actores criativos possam desempenhar melhor o seu papel. Isto para que, a determinada altura, possa dar um passo atrás, colocar a câmara num determinado ponto e deixar que eles sigam a sua dança. Para mim, trata-se de liberdade criativa. Não só para mim, mas para todo o ambiente da minha equipa.
Foi óbvia para si a escolha do Joaquim para o papel do candidato a Presidente boliviano?
Para mim foi. Por um lado, o Joaquim tem uma certa semelhança com Lozada, que é a personagem histórica em que nos inspiramos (o Presidente Gonzalo Sánchez Lozada, reeleito uma segunda vez para a Presidência e cuja política desastrosa motivou violentos conflitos e a sua resignação e exílio nos EUA). E também gostei que ele, tal como o Lozada, que não foi educado na Bolívia, não tenha uma identidade cultural marcada. A ideia de ter um sotaque estrangeiro era importante para mim. Quando pensei em actores que admirava ele pareceu-me uma escolha adequada. Foi um dos primeiros.
Como surgiu o contacto?
Foi através do Skype. Ele estava em Sintra e gostou muito da ideia. Riu-se e deu logo várias sugestões: percebi logo que nos iríamos dar bem. Gosto de ter um bom ambiente e um bom sentido de humor ajuda-me bastante.
Porquê a ideia de partir de um documentário para uma peça de ficção?
Há várias semelhanças com o documentário, apesar de termos criado a personagem de Sandra. Mas não havia nenhuma Jane Bodine no documentário. Apenas quis acentuar essa personalidade, quis acentuar o arco do da personagem que começa por assumir uma base mais profissional mas que depois se torna pessoal.
No entanto, este era um filme que poderia muito bem passar-se nos EUA sobre uma corrida presidencial.
Poderia até passar-se em Portugal…
Sim, claro. Isso ocorreu-lhe?
Sim, claro. Mas a Bolívia pareceu-me bem mais interessante. E deu-me essa oportunidade de sair desse formato e filmar em La Paz. Quem é que não gostaria de filmar em La Paz? Deu-me esse lado cultural tão vibrante que nunca arranjaria por exemplo na minha cidade de Austin, Texas.
Percebeu que essa história poderia ter uma ressonância política diferente?
Claro. Queria que se tornasse mais relevante em Portugal, na Grécia, na Turquia, na Islândia. No fundo, países que têm tido problemas com o FMI. Espero que as pessoas possam sentir essa ligação. Acho que tem uma ressonância muito mais do que que apenas americana.
Qual foi a ligação que teve com o George Clooney? Ele que era o produtor executivo, mas que também começou por ser uma opção para o papel depois interpretado pela Sandra Bullock. Explique lá essa evolução…
O George e o Grant Heslov eram os produtores e desenvolveram o filme com a companhia Smokehouse. Potencialmente era um veículo para o George. Como o George e a Sandra se conheciam de ter feito Gravidade juntos e como ela não estava com nenhum guião, acharam que poderia ser uma opção para um papel feminino. Quando me apresentaram ideia de fazer um filme com a Sandra Bullock na Bolívia achei logo que seria uma combinação perfeita. Os produtores aprovaram logo a ideia.
Acho que se trata de um dos melhores papéis dela desde há muito tempo. Percebe-se que ela está muito empenhada e fixada no papel.
Nós percebemos logo isso. Depois da primeira semana percebi logo que estávamos a fazer algo especial. Trata-se de entretenimento, mas o filme aborda questões muito relevantes. É uma mistura de comédia e drama. Acho importante misturar comédia e drama ao mesmo tempo.
Como foi juntar Sandra a o Joaquim? Sentiu a química entre ambos?
Sim, acho que existiu química entre eles. Mas também entre toda a equipa. Acho que este é um filme que é um pouco mais ousado no seu tema.
Mudemos um pouco de tema para falar de O Senhor Manglegorn. Como foi que surgiu este projecto com o Al Pacino?
Conheci o Al Pacino numa situação informal. Ao conversarmos disse-lhe que tinha ideia para uma personagem. Disse-lhe que depois falaríamos. E assim foi. Mostrei-lhes o guião e ele aceitou logo.
Foi ideia do Al Pacino juntar todos aqueles pequenos detalhes à sua personagem?
Sim, foi ideia dele e minha também. Mas o filme foi bastante improvisado. Brincamos com a câmara. Tirando o Al e a Holly Hunter, eram quase todos amigos meus e vizinhos. Vivem todos perto de mim, em Austin. E foi tudo filmado perto de minha casa. Até porque tenho dois gémeos de quatro anos (Leo e Otis) e queria dormir sempre em casa. Foi muito conveniente. Foi como uma pintura abstracta e uma oportunidade de trabalhar com o meu ídolo.
Voltando a Alta Pedrada, gostaria de voltar a fazer algo nessa linha?
Claro, acabei agora, uma seria da HBO Vice Principals, com Danny McBride, de Alta Pedrada. Fizemos a série Eastbound & Down. Fiz nove episódios, mas esta é algo mais bravo. Acabei de filmar há dias.
Isso permite-lhe agora um período de férias em Portugal, não? Teve tempo de apreciar a região, de descansar, de comer bem?
Sim, estive em Sintra esta manhã e fomos até ao castelo. Almoçamos perto da praia e foi óptimo. Passeamos depois na região. Entretanto, amanhã vou procurar cenários para um projecto que quero fazer com o Joaquim, aqui em Portugal.
A sério? Do que se trata?
Espero poder desenvolver nos próximos anos. Mas não falo português, por isso acho que tenho de aprender a língua.
Só para terminar, uma palavrinha sobre Stronger, o tal projecto baseado nos atentados na Maratona de Boston…
Sim, é com o Jake Gyllenhaal. É uma história verídica, algo que nunca tinha feito. O guião está a agora a ser escrito. É interessante perceber a história. É algo que espero poder fazer em breve.