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Sábado, Novembro 2, 2024

De crosta a crosta

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Um vazio repentino contra a pele do peito, um jeito estranho de sentir dizem, são amálgamas contra as escamas deste leito vazio. Restos da pele dançam as últimas sinfonias enquanto lá fora gemem gotas de chuva num repente incessante, uma dor que renasce a cada instante como se tudo se esvaziasse num sopro.

Significados separados de perfeição, restos abundantes nas cabeças que cintilam as suas próprias orgias enquanto descansam solenes e nobres o cansaço da rua. Já tudo dorme. Todos dormem. Adormecemos devagar num ápice de escárnio e a pele seca contra o peito dos voadores abandonados num espaço sem chão.

É uma dor acre. Sem tempero ou significado e é apenas o que se pretende no momento em que decorre num vaso de águas turvas.

Imensas vozes a incomodarem, são demais os que falam aos berros neste casmurro muro das minhas têmporas envenenadas para sobreviver.

Sobrevivo labrego nesta sala distante da existência, neste casebre de cores infinitas nas paredes e em cada canto um sorriso baldio, um tanque vazio, um suspiro de ranho como ortigas lançadas ao deus dará como se fazia na selva. Uma floresta vasta de cores perdidas a enfeitarem-me e a descontentarem-me, detesto ter de vestir o teu suor e calçar os sapatos do teu sargaço como um cálice seco pendurado para decorar apenas a taberna.

De crosta a crosta uma distância incolor. Um musgo salobro como o vinho deste desdém que inventam para me contentarem mesmo que antes de existir ainda, sim, sinto-me no ventre de todas as amarguras suculentas de um abraço nefasto que escorre lentamente no meu olhar perdido num horizonte qualquer.

Cada vez mais gente e nada. Somos todos o princípio de um fim qualquer, uma distorcida realidade destas fotos que recordo a cada olhar, as vestes antigas e raparigas de ventre voraz devoram-me de ânsias perdidas, desisto-me de ti nesta sala de ninguém onde nem seque me encontro, sim, sou apenas a gotícula escarrapachada na enxada da vida e de mãos gretadas como o lenhador de histórias que recordo, revejo as cartas, penso e desisto, recomeço todos os dias o mesmo percurso que nunca finda, esta saudade é afinal uma vontade apenas, um desejo encalacrado nos pelos da viagem entre dois céus inebriados não fosse a verdade impune de todos os castigos a que me submeto porque sim, mereço-me ainda assim sem mim neste fato de indígena na caserna mais mortal para viver, e é onde moram as minhas saudades e securas de dias e dias sem farda como um alcatrão escuro que me leva como a estrada que sigo, sim, é a viagem que nunca termina acredito, sinto cada vez mais distância entre mim e o meu destino.

De crosta a crosta.


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