O livro de Yánis Varoufákis ‘Conversas entre adultos, nos bastidores dos corredores da Europa’ foi agora transformado em filme em versão franco-grega por Costa-Gavras, ‘Comportem-se como adultos’ (versão portuguesa).
É um filme a ver, tanto pelo conteúdo como pela forma. Tirando um final fantasiando um primeiro-ministro Tsipras numa dança infernal – que a meu ver menoriza o carácter documental de tudo o que o precede – e a caracterização de Christine Lagarde, que me parece longe da realidade, o filme, apesar das suas mais de duas horas, cativa e dá uma imagem que me parece muito realista dos personagens e dos corredores do poder da moeda europeia, ou seja, do Euro.
O filme parece-me ser inultrapassável na caracterização da relação incestuosa entre o poder e a imprensa, da sua dupla linguagem e da necessidade de observação de códigos. Deixa-nos a mensagem de que o essencial é o preservar das aparências.
Varoufákis foi detestado, mais do que pelo conteúdo das suas propostas, por não respeitar nem códigos nem aparências e potencialmente pôr em causa a ordem estabelecida.
Posto isto, interessa olhar cuidadamente para duas das suas propostas. A primeira é a da renegociação da dívida. Antes de Varoufákis ascender ao poder dívida grega foi renegociada várias vezes e nem por isso ela desceu, e bem pelo contrário, subiu. Mais do que isso, a renegociação da dívida não é uma ideia do século XXI, é uma prática recorrente que nas economias modernas se tem sucedido regularmente desde o século XIX, e há muita matéria factual para a poder avaliar.
O problema é que num sistema onde a relação de forças não se altera, os credores que não recebem de uma maneira, fazem-se cobrar de outra, com juros exorbitantes e condições de crédito draconianas.
A renegociação da dívida é por isso uma falsa solução em qualquer lado, apenas acontece quando tudo o resto falha, ela faz parte do desastre, não da solução. Não consigo mesmo entender como aquilo que é notoriamente uma má ideia tivesse sido tão popular entre nós em Portugal.
A segunda questão, que esta sim me parece bem equacionada por Varoufákis, é a da dívida pública grega ser a reciclagem dos empréstimos de países superavitários, como a Alemanha, através da banca grega, mais do que a fábula da formiga e da cigarra que nos foi impingida.
O que me parece mais interessante ainda é que esta visão se tornou agora consensual com o Economist a considerar que ‘os empréstimos interbancários transfronteiriços alimentaram uma despesa excessiva no Sul’.
É claro que esta é apenas uma pequena parte da verdade, porque faz crer que o essencial do problema dos países do Sul é o de os cidadãos consumirem em demasia, e não os bancos concederem empréstimos a operações ruinosas ou simplesmente criminosas (em regra, dentro da esfera oligárquica e frequentemente com ramificações geopolíticas graves, como o alinhamento da oligarquia portuguesa com Teerão) para garantir o emprego das poupanças da Europa credora, endossando a dívida ao Estado (e portanto ao contribuinte) quando esta se revela incobrável.
Mais ainda, o que eu acho notável é o citado artigo do Economist centrar a análise dos problemas do Euro nos desequilíbrios das contas externas, invocando nada menos do que cinco vezes num curto texto de mil palavras o conceito para nos explicar os problemas do Euro.
Trata-se de matéria não abordada por Varoufákis, mas que eu considerei a grande questão do Euro no livro de que fui coautor em 2014. Em 2014 ninguém entendeu ou ninguém quis entender o que dizia mas os factos vão necessariamente obrigar as elites a reconhecer esta realidade.
Mario Draghi provou que era possível – contra a letra e o espírito dos tratados, mas com a bênção do Tribunal Europeu – adiar uma crise do Euro inundando o mercado em liquidez e invertendo a relação entre credores e devedores, com taxas de juro negativas.
A solução é interessante, mas está agora a ser alvo de um concertado ataque político dos credores – mascarado como vindo dos técnicos financeiros do banco central – que pode levar Christine Lagarde a ceder. Contrariamente a Varoufákis, creio que não foi a então directora do FMI, mas sim a sua máquina e nomeadamente o seu principal acionista, os EUA, que, em consonância com Draghi, salvaram a Grécia e o Euro, e não creio por isso que ela tenha a capacidade que teve Draghi para inverter a relação de forças.
Cinco anos depois, continuo convencido que qualquer solução estrutural terá de vir do reequacionar do papel fundamental das contas externas na arquitectura do Euro e continuo a ver o mundo da Europa credora sem vontade de entender esta verdade.
A reforma do Euro volta por isso a estar na ordem do dia.
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