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João de Sousa

Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Em defesa da Catalunha

Os independentistas catalães (direita e esquerda), com maioria no parlamento regional, tentam pela segunda vez realizar um referendo que legitime a separação da Catalunha em relação à Espanha. Data marcada – 1 de Outubro próximo.Tal como aconteceu em 2014, Madrid opõe-se ferozmente e tem feito de tudo para impedir a consulta popular – apreensão de urnas e boletins de voto; ameaças de prender dirigentes eleitos e suspender o estatuto de autonomia, substituindo o governo local por administradores nomeados pelo governo central; cortes de verbas; vetos do Supremo ao novo Estatuto de Autonomia aprovado em Barcelona e por aí vai, incluindo sugestões de um ou outro chefe militar de que até uma acção de força não estaria excluída!

A situação é, no mínimo, paradoxal porque, de acordo com as últimas sondagens, o desejo de independência não só está longe de ser maioritário, como até diminuiu um pouco nos últimos três anos.

Dos 7,5 milhões de habitantes daquela região autónoma espanhola, 41,1% seriam hoje favoráveis à independência (eram 45%, há três anos atrás) contra 49,4% daqueles que preferem continuar ligados à Espanha (46% em 2014).

Sendo assim, porque insistem os líderes independentistas na realização de um referendo e o que leva o governo espanhol a tentar impedi-lo?

A insistência na realização de uma consulta por parte dos líderes separatistas parece assentar na ideia de que, sendo os nacionalistas bastante mais motivados politicamente e portanto também mais disponíveis para se deslocarem até às urnas no dia da votação, a maioria estaria dessa forma garantida.

Quanto a Madrid, a resistência ao referendo catalão parece decorrer não tanto do perigo imediato de uma independência da Catalunha – que as pesquisas, em princípio não confirmam – mas sobretudo do receio de se estar, dessa forma, a criar um precedente que poderia pôr em risco, a médio e longo prazos, a integridade territorial do Estado espanhol consagrada na Constituição.

Na melhor tradição da sua velha lógica unitária e centralista, Castela não consegue sequer admitir teoricamente que a separação possa acontecer. Afinal, depois dos catalães, outros se poderiam seguir – os bascos, certamente, mas também, quem sabe, até os galegos…

Madrid não é Londres, que deixou tranquilamente a Escócia votar em referendo semelhante…

Compreende-se a vontade do governo central espanhol manter a integridade territorial e política do país, mas ela não pode ser garantida à força, contra o direito dos povos à autodeterminação.

Independência – um sonho que vem de longe

O desejo de independência dos catalães – uma nação marcadamente distinta, com língua e história próprias, bem destacada das restantes que integram o Estado espanhol sob hegemonia castelhana, vem de bastante longe.

E o movimento pela independência acentuou-se nas últimas dezenas de anos, com manifestações anuais de grande impacto em Barcelona a cada 11 de Setembro – data nacional, passando por marchas simbólicas e aprovação de uma série de leis chamadas “de desconexão” visando reforçar o Estatuto de Autonomia de que a região já desfruta – tudo no sentido de construir um caminho progressivo rumo à separação.

A ponto dos líderes catalães afirmarem agora que, caso Madrid impeça a realização do referendo, eles estariam decididos a proclamar unilateralmente a independência.

Mas esta é uma estratégia de resultado duvidoso, já que – sempre segundo as sondagens – uma tal medida só teria o apoio de 35% da população, contra 61% que se lhe opõem.

Em contrapartida, a esmagadora maioria – mais de 70% – estão igualmente contra as tentativas de Madrid de impedir a consulta popular.

Um jogo perigoso

Tudo somado, em que ficamos?

Aparentemente, trata-se de um jogo em boa parte simulado de parte e de outra – um dos lados ameaçando separar-se, o outro ameaçando intervir, para ver quem cede primeiro.

Em Barcelona, o governo de Carles Puidgemont pretende ainda mais autonomia, incluindo fiscal e financeira, para se poder furtar à participação no esforço conjunto de apoio a regiões mais desfavorecidas como a Andaluzia, por exemplo.

Por seu turno, em Madrid, o governo conservador minoritário de Mariano Rajoy tem que mostrar decisão e traçar uma linha vermelha para que outros não se sintam tentados a enveredar pelo mesmo caminho.

Suspeito que nem um nem outro queiram ir demasiado longe nas ameaças já que ambos terão muito a perder se o jogo sair fora de controlo. Por isso os dois teriam toda a vantagem em reconduzir o confronto ao plano da livre expressão da vontade dos catalães.

Pode-se argumentar em favor e contra a independência da Catalunha – os problemas que daí derivariam, numa primeira fase:

  • as desvantagens para a Espanha, que veria partir um quinto do seu PIB e uma das regiões mais inovadoras e com maior iniciativa empresarial, na vanguarda da revolução tecnológica e do design…
  • as grandes dificuldades para os catalães, até tudo se reajustar, a começar pelos pagamentos aos funcionários públicos e reformados… e a terminar na turbulência no que respeita à sua ligação à União Europeia e à moeda única…

Pode-se argumentar tudo isso, considerar as vantagens e desvantagens, ser a favor ou contra. O que ninguém tem o direito é de decidir à margem ou contra a vontade maioritária das pessoas – por isso, líderes independentistas e governo central de Espanha – deixem a Catalunha decidir!

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