A redução do número de trabalhadores e da despesa com pessoal na Administração Pública e a consequente degradação dos serviços públicos prestados à população
Neste estudo analiso, como base em dados divulgados pela Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) do Ministério das Finanças e do INE; a dimensão da redução do numero de trabalhadores das Administrações Públicas entre 2011 e 2019 cujo total, em 2019, ainda continuava a ser inferior ao de 2011 em 29.263, bem como a diminuição da parcela (%) da riqueza criada no país (PIB) utilizada no pagamento das remunerações dos trabalhadores da Função Pública que diminuiu tanto com o governo do PSD/CDS como com os governos do PS de António Costa, e também mostro que o poder de compra da remuneração base mensal média liquida dos trabalhadores da Função Pública era, em 2019, era ainda inferior em 12,1% à de 2011.
E pareceu-me importante a divulgação de um estudo sobre esta matéria nesta altura em que se está a elaborar o Orçamento do Estado para 2021 e em que, naturalmente, o governo e os sindicatos das Administrações Públicas debatem a situação dos trabalhadores da Função Pública, nomeadamente as suas condições remuneratórias, sendo por isso importante conhecer qual é a situação atual destes trabalhadores e como ela tem evoluído nos últimos anos. E isto porque ela tem consequências evidentes na quantidade e qualidade dos serviços públicos prestados à população, nomeadamente saúde, educação, segurança social, segurança de pessoas e bens, investimento público, etc., etc., portanto em áreas muito importantes para a vida dos portugueses.
Espero que este estudo contribua para um mais correto conhecimento da situação dos trabalhadores das Administrações Públicas por parte da opinião pública, e que possa ser também um instrumento para os sindicatos da Função Pública na luta que travam por melhores condições de vida de trabalhadores cuja atividade é essencial para o desenvolvimento do país e para o bem estar e segurança dos portugueses.
Estudo
A redução do número de trabalhadores e da despesa com pessoal na Administração Pública e a consequente degradação dos serviços públicos prestados à população
Numa altura em que se está a elaborar o Orçamento do Estado para 2021 e em que, naturalmente, o governo e os sindicatos das Administrações Públicas debatem a situação dos trabalhadores da Função Pública, nomeadamente as suas condições remuneratórias, é importante conhecer qual é a situação atual destes trabalhadores e como ela tem evoluído nos últimos anos e as suas consequências inevitáveis na degradação dos serviços públicos sentida pela população.
A redução do número de trabalhadores e a degradação dos serviços públicos
O quadro 1, com os dados do Ministério das Finanças, mostra a evolução do número de trabalhadores das Administrações Públicas (Central, Local e Regional) no período 2011/2019, por governos.
Quadro 1 – Número de trabalhadores das Administrações Públicas – 2011/2019
CARGO / CARREIRA / GRUPO | ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS – Nº de trabalhadores | ||||
2011 (Governo PSD/CDS) | 2015 (Governo PSD/CDS) | 2019 (Governo PSD/CDS) | 2011/ 2015 | 2011/ 2019 | |
31 dez | 31 dez | 31 dez | |||
ADMINISTRAÇÃO CENTRAL (Estado) | 551 379 | 502 502 | 527 766 | -48 877 | -23 613 |
ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL | 163 663 | 146 869 | 159 933 | -16 794 | -3 730 |
ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS (Central, Local, Regional e Fundos da Segurança Social) | 727 785 | 659 144 | 698 522 | -68 641 | 29 263 |
Técnico superior | 58 132 | 58 093 | 67 965 | -39 | 9 833 |
Assistente técnico/administrativo | 97 952 | 85 245 | 87 448 | -12 707 | -10 504 |
Assist. operacional/operário/auxiliar | 173 609 | 152 641 | 157 990 | -20 968 | -15 619 |
Informático | 5 195 | 4 937 | 5 181 | -258 | -14 |
Pessoal de investigação científica | 1 816 | 1 349 | 3 441 | -467 | 1 625 |
Docente ensino universitário | 13 997 | 13 977 | 15 241 | -20 | 1 244 |
Docente ensino superior politécnico | 9 694 | 8 870 | 10 470 | -824 | 776 |
Educadores de infância e professores do ensino básico e secundário | 151 170 | 129 169 | 136 150 | -22 001 | -15 020 |
Médico | 25 049 | 26 743 | 30 569 | 1 694 | 5 520 |
Enfermeiro | 42 769 | 41 830 | 49 022 | -939 | 6 253 |
Técnico diagnóstico e terapêutica | 8 935 | 8 636 | 9 670 | -299 | 735 |
Técnico superior de saúde | 1 913 | 1 878 | 1 962 | -35 | 49 |
FONTE: Direção Geral da Administração e Emprego Público – 4º Trimestre 2019 – Ministério das Finanças |
Entre 2011 e 2015, com a “troika” e o governo do PSD/CDS, o número de trabalhadores de todas as Administrações Públicas foi reduzido em 68.641 sendo 48.877 (71,2%) na Administração Central, o que causou uma profunda degradação dos serviços públicos cujos efeitos ainda se fazem sentir atualmente. Entre 2015 e 2019, com os governos PS, o número de trabalhadores aumentou, mas ainda em número insuficiente para compensar totalmente os empregos destruídos no período 2011/2015. Em 2019, o número de trabalhadores continuava a ser inferior em 29.263 ao que existia em 2011, sendo 80,7% desta redução (-23.613) na Administração Central, o que contribuiu para a degradação dos serviços prestados à população (saúde, educação, segurança social, etc.) por esta.
Outro aspeto importante que explica e é causa da degradação de muitos serviços públicos sentida pela população é redução muito significativa dos trabalhadores que estão presentes em todos os serviços e são a base de garantia do seu funcionamento (assistentes técnicos e assistentes operacionais) cujo total, em 2019, continuava a ser inferior em 26.123 ao total existente em 2011. Também a nível de professores do ensino básico e secundário, essenciais para aumentar o nível de escolaridade dos portugueses que continua a ser inferior à média dos países da União Europeia, necessidade essa aumentada com o COVID 19 pois, para garantir a segurança dos alunos através do distanciamento, havia que desdobrar as turmas, o que não vai acontecer (o que aumenta o risco de contágio) devido ao numero insuficiente de professores; repetindo, o total dos docentes do ensino básico e secundário em 2019 é ainda inferior, ao numero existente em 2011, em 15.020.
Mesmo em relação aos profissionais de saúde o aumento verificado encobre uma realidade que os números não revelam: uma parte destes profissionais têm horários reduzidos porque trabalham simultaneamente no SNS e no setor privado ou por outras razões (do por ex., em 2018, segundo o Relatório Social do Ministério da Saúde 1.565 médicos estavam a tempo parcial e 580 em prestação de serviços).
A falta de trabalhadores que se verifica em quase todos os serviços da Administração Pública associado à insuficiência de competências, porque o Estado investe pouco na formação e qualificação dos seus trabalhadores, determina, por um lado, a degradação e a insuficiência dos serviços prestados à população e, por outro lado, a aquisição de centenas de milhões € de bens e serviços ao setor privado, o que constitui uma importante fonte de lucro para este. Entre 2019 e 2020, a previsão de aumento de despesa com “aquisição de bens e serviços “ ao setor privado é de 6,8%, enquanto se prevê que despesa com pessoal de todas as Administrações Públicas aumente apenas 2,6%, ou seja, 2,6 vezes menos.
Uma parcela cada vez menor da riqueza criada no país (PIB) é aplicada à remuneração dos trabalhadores das Administrações Públicas
O gráfico 1, mostra a quebra da parcela da riqueza criada no país (PIB) utilizada para remunerar os trabalhadores das Administrações Públicas tando com o governo do PSD/CDS como com os do PS.
Gráfico 1 – Remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas em % do PIB INE
Entre 2011 e 2015, ou seja, com o governo PSD/CDS, as remunerações dos trabalhadores de todas as Administrações Públicas (Central, Local e Regional) diminuíram de 12,8% para 11,3% do PIB. (as dos trabalhadores da Administração Central caíram de 10,4% para 9,2% do PIB, e as dos da Administração Local e Regional de 2,2% para 2% do PIB). E entre 2015 e 2019, com os governos do PS, as remunerações dos trabalhadores das Administrações Pública, em percentagem da riqueza criada no país (PIB), tornaram a diminuir pois passaram de 11,3% do PIB para 10,7% do PIB (neste período, as remuneração dos trabalhadores da Administração central diminuíram de 9,2% do PIB para apenas 8,7%, e as dos trabalhadores da Administração Local e Regional caíram de 2% para 1,9% do PIB).
Os trabalhadores das Administrações Públicas que asseguram os serviços públicos essenciais à população (saúde, educação, segurança social, segurança de bens e pessoas, etc., etc.) recebem uma parcela cada vez menor da riqueza criada no país (PIB) sob a forma de remunerações. A redução de um ponto percentual do PIB representa menos 2.000 milhões € de remunerações. E, entre 2011 e 2019, a redução foi de 2,1 pontos percentuais, o que significa menos 4.200 milhões € de remunerações que os trabalhadores das Administrações Públicas receberam em 2019. E é impossível prestar serviços públicos de qualidade e suficientes à população com muitos menos trabalhadores e cortando desta forma na despesa com as suas remunerações. Mas foi desta forma que se reduziu o défice.
A redução significativa do poder de compra da remuneração base líquida média mensal dos trabalhadores das Administrações Públicas entre 2011 e 2019
Quadro 2- A evolução do poder de compra da Remuneração Base Mensal da Função Pública entre 2010 e 2019
DESIGNAÇÂO | Administrações Pública | Administração Central | Administração Local |
REMUNERAÇÃO BASE MÉDIA MENSAL ILIQUIDA 2010 (antes de desconstos) | 1 445 € | 1 573 € | 940 € |
Desconto para a Segurança Social ou CGA | 159 € | 173 € | 103 € |
Contribuição para ADSE | 22 € | 24 € | 14 € |
Dedução IRS | 202 € | 244 € | 66 € |
REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL LIQUIDA EM 2011 (após descontos) | 1 062 € | 1 133 € | 757 € |
REMUNERAÇÃO BASE MÉDIA MENSAL ILIQUIDA 2019 (antes de descontos) | 1 501 € | 1 631 € | 1 002 € |
Desconto para a Segurança Social ou CGA | 165 € | 179 € | 110 € |
Contribuição para ADSE | 53 € | 57 € | 35 € |
Dedução IRS | 255 € | 300 € | 90 € |
REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL LIQUIDA EM 2019 (após descontos) | 1 028 € | 1 095 € | 767 € |
REMUNERAÇÃO MÉDIA MENSAL LIQUIDA EM 2019 A PREÇOS DE 2010 (após dedução do aumento preços) – poder de compra a preços 2010 | 933 € | 993 € | 696 € |
DIMINUIÇÃO DO PODER DE COMPRA DA REMUNERAÇÃO BASE MÉDIA MENSAL ENTRE 2010 E 2019 DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA | -12,1% | -12,3% | -8,1% |
FONTE: DGAEP do Ministério das Finanças e INE |
Como mostram os cálculos feitos com base nos dados da DGAEP e do INE, o poder de compra da remuneração base média mensal líquida dos trabalhadores das Administrações Públicas era em 2019 ainda inferior ao que tinham em 2010 em 12,1% (na Administração Central era -12,3% e, na Administração Local, de -8,1%). E é urgente pelo menos repor o poder de compra de 2010.
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