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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Democracia do Peru enfrenta maior teste desde a ditadura de Fujimori

O novo presidente Sagasti deve agora conduzir uma nação abalada não apenas em direção às eleições, marcadas para abril de 2021, mas também em direção a uma fé renovada na democracia.

por Anthony Bebbington e Gisselle Benites, em The Conversation | Tradução de Cezar Xavier

O novo presidente interino do Peru assumiu o cargo em 17 de novembro em circunstâncias nada invejáveis.

Francisco Sagasti tornou-se o terceiro presidente do país sul-americano uma semana depois que o presidente Martin Vizcarra sofreu impeachment por “incapacidade moral”, o que muitos peruanos consideraram um golpe do Congresso. O sucessor de Vizcarra, o presidente do Congresso Manuel Merino, foi rapidamente forçado a renunciar após furiosos protestos públicos.

O novo presidente Sagasti deve agora conduzir uma nação abalada não apenas em direção às eleições, marcadas para abril de 2021, mas também em direção a uma fé renovada na democracia.

Não é um mandato sem precedentes para um líder peruano. Exatamente 20 anos atrás, os líderes políticos do Peru enfrentaram – e acabaram falhando – um teste semelhante, após a queda do ditador Alberto Fujimori.

E seus fracassos explicam por que o Peru, nas palavras do cientista político Alberto Vergara, perscrutou o “abismo” do autoritarismo repressivo durante seis dias neste mês de novembro – com manifestantes enfrentando violência indiscriminada e mortal, até sequestro, tortura, detenção ilegal e abuso sexual por parte de Polícia peruana.

 

Grandes expectativas ficam aquém

Durante o regime corrupto com apoio militar de Fujimori, entre 1990 e 2000, as instituições democráticas do Peru foram desmanteladas e seus valores democráticos subvertidos. Os dissidentes enfrentaram morte, desaparecimento e tortura.

O regime de Fujimori desmoronou em novembro de 2000 por causa de fraudes eleitorais e um levante popular em massa. Fujimori foi destituído do cargo pelo Congresso e substituído pelo líder congressional Valentín Paniagua.

Como presidente interino, Paniagua tinha um mandato – como Sagasti tem hoje – para liderar uma nação profundamente marcada em uma transição democrática formal e ajudar a cura da sociedade. Em 2001, Paniagua estabeleceu uma comissão da verdade e reconciliação para documentar as atrocidades de Fujimori e criou uma comissão constitucional encarregada de identificar as mudanças estruturais necessárias para salvaguardar a democracia peruana no futuro.

Os sucessores de Paniagua não viram suas iniciativas concluídas.

A comissão da verdade documentou meticulosamente os crimes do Estado e, em 2009, Fujimori foi condenado por abusos em massa dos direitos humanos. Mas os processos contra outras pessoas e as indenizações às vítimas – particularmente as populações pobres, rurais e indígenas – têm sido terrivelmente lentos e inadequados.

Os líderes do Peru depois de Paniagua também descartaram os argumentos de que o Peru precisava de uma nova constituição com maiores proteções para a democracia e o Estado de Direito. A redação de uma nova constituição poderia ter assegurado, como disse o falecido político peruano Henry Pease, que “os canalhas não se sentiriam livres para dissolver o Congresso” como Fujimori fez.

Em vez disso, Alejandro Toledo, o primeiro presidente eleito democraticamente depois de Fujimori, canalizou as demandas de reforma para o “Acordo Nacional” de 2002. Este documento, desenvolvido em conjunto pelo governo, sociedade civil e partidos políticos, estabeleceu as bases para a transição democrática do Peru e estabeleceu uma visão nacional compartilhada.

Mas fez pouco para resolver os problemas crônicos de governança do Peru. Os controles sociais, ambientais e de responsabilidade sobre o investimento público e privado permaneceram fracos. O mesmo aconteceu com os tribunais peruanos, que são vulneráveis ​​a interesses especiais devido a um processo de nomeação judicial politizado e muitas vezes corrupto.

 

Crescimento desigual

As consequências da falta de reforma do Peru foram dramaticamente reveladas nos últimos anos no escândalo de corrupção Lava Jato, no qual empresas de construção subornaram políticos de toda a América Latina para conseguir grandes contratos governamentais.

Desde 2016, quatro presidentes peruanos e a própria filha de Fujimori estão criminalmente implicados na Lava Jato. Vizcarra, cujo impeachment desencadeou a atual crise política do Peru, tornou-se vice-presidente por causa deste escândalo de longa data. Ele chegou ao poder em 2018, quando o então presidente Pedro Pablo Kuczynski renunciou após acusações de suborno.

Mas quando os legisladores depuseram o presidente Vizcarra com as mesmas acusações em novembro de 2020, isso causou condenação pública imediata. Os manifestantes achavam que a interpretação dos legisladores de “incapacidade moral” – uma cláusula da constituição peruana – era no mínimo duvidosa. Na pior das hipóteses, eles temiam que fosse uma manipulação cínica dos conservadores do Congresso para tomar o governo do Peru.

Quando o sucessor de Vizcarra, Merino, nomeou como primeiro-ministro o político Antero Flores-Araoz – um aliado da extrema direita no Congresso – esses temores pareceram se confirmar. Cerca de 2,7 milhões de peruanos – quase um décimo da população – foram às ruas. Merino renunciou após seis dias, não tendo conseguido garantir o apoio militar.

Hoje, 85% dos peruanos pesquisados ​​pela pesquisa Latinobarometro da Universidade de Vanderbilt concordam que o Peru “é governado por um punhado de grupos poderosos para seu próprio benefício”. O país perde cerca de US$ 6,5 bilhões com a corrupção a cada ano, segundo a controladoria nacional.

Ainda assim, a economia do Peru cresceu desde 2000, alimentada principalmente pela extração de minerais, gás e plantações como aspargos, uvas e abacates. A mineração representa cerca de 60% das exportações.

Embora essas atividades ocorram em áreas rurais, o interior do Peru continua extremamente pobre. As pessoas de Cajamarca, rica em ouro, têm cerca de cinco vezes mais probabilidade de viver na pobreza do que as da região metropolitana de Lima.

Os peruanos que protestam contra os danos ambientais e a interrupção dos meios de subsistência causados ​​pela mineração – tanto legais quanto ilegais – costumam ser vítimas de violência policial e das forças de segurança.

Protestos e batalhas legais pela mineração no Peru tiveram pouca resposta política. A supervisão das operações de mineração é tão fraca que a polícia e as forças militares às vezes assinam acordos com empresas para proteger as minas de protestos.

 

Tarefa de Sagasti

Melhorar a inclusão política e econômica e reformar a polícia estão agora no topo da lista de reivindicações dos manifestantes peruanos.

Como em 2000, alguns manifestantes e políticos estão novamente pedindo uma nova constituição que fortalecerá a separação de poderes no Peru e tornará os governantes eleitos mais responsáveis ​​por suas ações.

Na década de 2000, o Congresso negligenciou essas mudanças estruturais, permitindo que os problemas que deram origem ao regime de Fujimori continuassem após sua queda.

Hoje, os jovens manifestantes vigilantes do Peru esperam que Sagasti faça mais. Para ter sucesso como líder pós-crise, ele precisará restaurar a confiança dos peruanos no governo e estabelecer as bases para um futuro mais democrático.


por Gisselle Vila Benites e Anthony Bebbington, em The Conversation    |   Texto original em português do Brasil, com tradução de Cezar Xavier

Exclusivo Editorial PV / Tornado

The Conversation

  • Gisselle Vila Benites, Pesquisadora adjunta do Centro de Estudos em Mineração e Sustentabilidade da Universidad del Pacífico (Peru) e Doutoranda em Geografia da Universidade de Melbourne
  • Anthony Bebbington, Professor e Meio Ambiente e Sociedade e professor de Geografia na Clark University

 

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