A derrota do ministro da Justiça Sérgio Moro na aprovação do projeto de lei do “pacote anticrime” na Câmara dos Deputados tem grande dimensão. Na sua origem, o projeto tinha um conjunto de medidas antidemocráticas, que foi rejeitado.
Ele representava um instrumento de Estado de exceção, uma arma de repressão ao povo, como o “excludente de ilicitude”, a prisão após a condenação em segunda instância e o “plea bargain” (fala-se “pli bárguein”), uma variação da “delação premiada”, regulamentada pelo texto-base aprovado em outros termos.
Outra importante vitória das forças democráticas é a criação do juiz de garantias, o que instrui o processo, mas não julga — uma medida de grande alcance para coibir arbítrios como os que se tornaram regra na Operação Lava Jato, uma burla à Constituição que atinge o âmago do Estado Democrático de Direito, o devido processo legal. Com ela, o cerne do método de condenações subjetivas, orientadas por opção ideológica e distante do conceito de justiça, perde força.
A criminalidade em geral precisa ser duramente combatida. Mas ela só pode ser derrotada com os instrumentos da legalidade democrática. Fora desse preceito prevalece a barbárie, a violência indiscriminada, a lei dos porões, de triste memória no país. Seria a regra do crime contra o crime, o uso da violência em nome do combate à violência. Não há a menor justiça nesses métodos. Eles são essencialmente antidemocráticos.
Essa vitória das forças democráticas comprova que há um terreno fértil para derrotar o bolsonarismo. Como explicou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da Minoria na Câmara, o texto foi aprovado com votação quase unânime porque era evidente a quantidade de inconstitucionalidade e ilegalidades no projeto original. Orlando Silva (PCdoB-SP) explicou que o êxito resultou de um trabalho amplo, com uma variada gama de partidos. E Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ressaltou a vitória da democracia.
Esse é o ponto: vitórias democráticas como essa, conquistadas com a união de um amplo espectro de forças políticas e ideológicas, um arco que vai da esquerda à centro-direita — e, nesse caso, até alguns parlamentares da direita — reforçam a plataforma da oposição. Não se pode subestimar a gravidade das ameaças representadas pelo bolsonarismo ao Estado Democrático de Direito. Um exemplo foi a reação de Moro, que já anunciou nova ofensiva para restaurar o seu pacote original.
As ideias do ministro da Justiça são essenciais para esse projeto de poder. Seria a “institucionalização” dos métodos da Operação Lava Jato, agora com mais amplitude, indisfarçavelmente para reprimir o povo. É o mesmo conteúdo de leis arbitrárias como a “Lei Infame” do governo Epitácio Pessoa, a “Lei Celerada” de Washington Luis, a “Lei Monstro” que precedeu o Estado Novo, a Constituição parafascista de 1937 e a “doutrina de segurança nacional” que conduziu o processo do golpe militar de 1964.
Impedir o avanço dessa marcha autoritária é a primeira condição para que o país retome o caminho do desenvolvimento com democracia e distribuição de renda. Sem essa barreira de contenção, o bolsonarismo avança com sua agenda ultraliberal e neocolonial, mantendo o povo amordaçado e impedido de se organizar para defender os seus direitos. A luta democrática, nesse cenário, é o ponto mais importante.
Essa vitória na Câmara dos Deputados contra Moro e Bolsonaro mostra que é possível, sim, avançar com uma frente ampla, democrática. Ela representa mais um êxito dessa tática, como ocorreu, por exemplo, na redução de danos no processo de “reforma” da Previdência Social e na aprovação do Projeto de Lei sobre crimes de abuso de autoridade. O momento é de desprendimento, de definir o caminho e dar os passos na direção de um projeto para o Brasil com desenvolvimento e democracia.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado