A descapitalização da Segurança Social como consequência do não cumprimento da Lei pelo Governo, e as consequências para os reformados e desempregados
Segundo o Ministério das Finanças, a Segurança Social teve, no período de janeiro a agosto de 2020, um saldo negativo de – 85,9 milhões € quando, em idêntico período de 2019, teve um saldo positivo de + 2041,1 milhões €. É uma diferença enorme que deve motivar grande preocupação. Neste estudo, utilizando dados oficiais, procura-se tornar claro por que razão isso aconteceu, assim como as consequências para os reformados, desempregados e outras camadas desfavorecidas da população que precisam de apoios sociais para sobreviver.
Neste estudo procuro tornar claro por que razão, segundo o Ministério das Finanças, a Segurança Social teve, no período de janeiro a agosto de 2020, um saldo negativo de – 85,9 milhões €, quando em idêntico período de 2019 tinha tido um saldo positivo de + 2.041,1 milhões €.
É uma diferença enorme na direção negativa que deve motivar grande preocupação. A situação que o governo está a criar à Segurança Social, obrigando-a a suportar despesas que deviam ser pagas pelo Orçamentos do Estado como dispõem as próprias leis aprovadas pelo governo, põe em causa a própria sustentabilidade da Segurança Social.
E, depois, é previsível que o governo utilize a situação que ele próprio criou para justificar aumentos de miséria, e mesmo congelamento acima de um determinado valor, nas pensões em 2021 dos reformados da Segurança Social e, por arrastamento, também dos aposentados da CGA.
E também para não alargar o âmbito do subsídio de desemprego a centenas de milhares de trabalhadores que neste momento não tem direito a ele e que vivem no limiar da pobreza (apenas 34 em cada 100 desempregados é estão receber subsidio de desemprego).
Espero, que este estudo, ao ser um alerta da forma como o governo está a utilizar a Segurança Social, possa ser um contributo para a sua defesa que é tão importante para a generalidade dos portugueses.
Estudo
A descapitalização da Segurança Social como consequência do não cumprimento da Lei pelo Governo, e as consequências para os reformados e desempregados
Segundo a “Síntese da execução Orçamental“ publicada em setembro de 2020 pela Direção Geral do Orçamento (DGO) do Ministério das Finanças, a Segurança Social teve, no período de janeiro a agosto de 2020, um saldo negativo de – 85,9 milhões €, quando em idêntico período de 2019 teve um saldo positivo de + 2.041,1 milhões €. É uma diferença que deve motivar grande preocupação
As perguntas que imediatamente se colocam são as seguintes:
- Por que razão se passou de um saldo positivo tão elevados em 2019 (+ 2.021,1 milhões €) para um saldo negativo de -85,9 milhões € em 2020?
- E quais serão naturalmente as consequências para os reformados e para outros portugueses (ex.: desempregados) cujos apoios da Segurança Social são vitais para poderem sobreviver?
É as respostas a estas perguntas, que são questões que preocupam já muito portugueses, que se procurará dar neste estudo utilizando dados próprios oficiais.
Os apoios às empresas e aos trabalhadores que constam das Leis publicadas pelo Governo após o inicio da pandemia causado pelo covid-19, e quem os pagou
Um dos primeiros diplomas que concedia apoios às empresas e trabalhadores foi o Decreto-Lei 10-G/2020 que no seu art.º 4º, com o título “Direitos do empregador”, dispunha o seguinte:
Em situação de crise empresarial (queda de faturação superior a 40%) o empregador tem direito a:
- a) Apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho, com ou sem formação, em caso de redução temporária do período normal de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 298.º e seguintes do Código do Trabalho (o chamado lay-off rápido em que o trabalhador passou a receber apenas 2/3 do salario ilíquido, sendo 70% pago pela Segurança Social e apenas 30% pela entidade patronal);
- b) Plano extraordinário de formação pago pelo IEFP que é financiado pela Segurança Social);
- c) Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa que segundo o artº 11º do mesmo decreto-lei é um subsidio pago as empresas quando iniciassem a atividade, sendo de um salario por trabalhador (635€) que depois foi aumentado para dois salários mínimos por trabalhador (1270€), como mostraremos mais à frente, suportado pelo IEFP que é financiado pela Segurança Social (em 2018, o IEFP recebeu da Segurança Social 571,3 milhões €, o que representou 85,3% do seu orçamento de receitas)
- d) Isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora (os trabalhadores continuaram a descontar sobre os 2/3 do salário que receberam mas as empresas deixaram de descontar para a Segurança Social o que determinou uma perda elevada de receita para esta)
E o artº 16 deste decreto lei 10-G/2020 estabelece que “Os valores da compensação retributiva da responsabilidade da Segurança Social pagos ao abrigo do presente decreto-lei são financiados pelo Orçamento do Estado.
Decreto 12-A/2020
O Decreto 12-A/2020, aprovado depois, no n.º 3 do seu art.º 26º cria um:
“Apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente”
No caso de paragem total da sua atividade, que varia entre um valor do IAS (438,81€) e o valor do salario mínimo nacional (635€), com a duração de um mês mas podendo ser prorrogável por seis meses.
E no n.º 6 deste mesmo artigo dispõe-se que este apoio é também:
“concedido, com as necessárias adaptações, aos sócios-gerentes de sociedades, bem como membros de órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes àqueles, sem trabalhadores por conta de outrem, que estejam exclusivamente abrangidos pelos regimes de segurança social nessa qualidade e que, no ano anterior, tenham tido faturação comunicada através do E-fatura inferior a € 60000€”.
Tudo isto é pago pela Segurança Social mas neste caso nada na lei diz que tem de ser suportado pelo Orçamento do Estado.
Decreto-Lei 27-B/2020
Segue-se o Decreto-Lei 27-B/2020, que prorroga e altera o Decreto-Lei anterior criando um novo:
“complemento de estabilização para os trabalhadores com retribuição base igual ou inferior a duas vezes o salário mínimo nacional no montante mínimo de 100€ e máximo 351€ pago em julho que tenham estado na situação lay-off ou sujeitos à redução temporário de horário de trabalho (artº3º)”. E o artº 4º do mesmo decreto aumentou o “incentivo à normalização da atividade empresarial de um para dois salários mínimos por trabalhador, pagos de uma forma faseada às entidades patronais”.
Mas neste caso o art.º 8º deste decreto-lei dispõe que “os valores pagos pela Segurança Social ao abrigo deste decreto-lei são financiados pelo Orçamento do Estado”.
Decreto-Lei 46-A/2020
A seguir foi publicado o Decreto-Lei 46-A/2020 que criou um apoio extraordinário tanto às empresas do setor privado como do setor social, que fossem consideradas em “situação de crise empresarial (quebra na faturação igual ou superior a 40%), em que se verifique uma redução do período normal de trabalho. Neste caso, o trabalhador tem direito à remuneração pelas horas trabalhadas e, para além disso, a uma compensação que no máximo pode atingir três salários mínimos, variando entre 2/3 da remuneração ilíquida das horas não trabalhadas e 4/5 da remuneração ilíquida das horas não trabalhadas (art.º 6).
E segundo o art.º 7º do mesmo decreto-lei a entidade patronal tem direito a um apoio financeiro, também aqui pago pela Segurança Social, correspondente a:
“ 70% da contribuição retributiva, sendo apenas 30% suportado pela entidade patronal”.
E o art.º 9º deste decreto-lei também dispõe, mais uma vez, que a entidade patronal que obtenha os apoios referidos anteriormente “tem direito à isenção ou dispensa parcial do pagamento de contribuições a seu cargo relativas aos trabalhadores abrangidos, calculadas sobre o valor da compensação (recebe o subsidio e não paga nada à Segurança Social, enquanto os trabalhadores têm de descontar).
Neste caso o art.º 17º do decreto-lei 46-a/2020 estabelece que os valores da compensação pagos pela Segurança Social bem como a isenção “são financiados pelo Orçamento do Estado”.
Uma coisa é o que a Lei dispõe, e outra coisa diferente é o que o Governo faz
Efetivamente, uma coisa é o que lei dispõe e devia ser cumprido pelo governo, e outra coisa bem diferente é aquilo o que o governo faz como vamos mostrar, e que está a descapitalizar a Segurança Social sem que a Assembleia da República diga alguma coisa. O quadro 1 , com dados divulgados pelo Ministério das Finanças mostra a despesa total com os apoios referidos e quem os pagou.
Quadro 1 – Impacto orçamental das medidas adotadas no âmbito da Covid-19 – Quem pagou
Medida Covid- 19 | Adm. Central Milhões € | Seg. Social Milhões € | Adm. Regional Milhões € | Adm. Local Milhões € | Total Milhões € |
Total da Despesa | 544,3 | 1 199,6 | 80,1 | 119,1 | 1 943,1 |
% do Total | 28,0% | 61,7% | 4,1% | 6,1% | 100,0% |
FONTE: Síntese da execução orçamental- Setembro de 2020 – DGO, Ministério das Finanças |
Até a agosto de 2020, já tinham sido despendidos apoios às empresas e aos trabalhadores num total de 1.943,1 milhões €, tendo 61,7% (1.199,6 milhões €) sido pagos pela Segurança Social com os descontos diretos e indiretos dos trabalhadores, não tendo esta sido reembolsada de tal despesa pelo Orçamento do Estado como a lei dispõe. Os dados do quadro 2, divulgados pelo próprio Ministério das Finanças, provam isso.
Quadro 2 – Execução Orçamental da Segurança Social até agosto de 2020
DESIGNAÇÃO | Orçamento Suplementar (o previsto para 2020) | Execução de janeiro a agosto (o que foi pago em 2019 e 2020) | |
2020 | 2019 | 2020 | |
RECEITA | Milhões € | Milhões € | Milhões € |
Contribuições e quotizações | 17 224,9 | 11 972,5 | 11 722,1 |
Transferências correntes do Orçamento do Estado | 12 089,1 | 5 859,2 | 6 258,8 |
Medidas excecionais e temporárias (COVID-19) – o que o orçamento do Estado deve transferir, porque está previsto, para a Segurança Social e o que transferiu | 2 492,4 | ZERO porque não havia COVID | 460,0 |
DESPESA | Milhões € | Milhões € | Milhões € |
Pensões | 18 339,7 | 11 107,4 | 11 498,7 |
Subsidio de desemprego | 1 508,9 | 799,6 | 963,4 |
Prestações de parentalidade | 664,4 | 389,5 | 441,0 |
Medidas excecionais e temporárias (COVID-19) – o que a Segurança Social já pagou até agosto 2020 | 1 943,8 | ZERO porque não havia COVID | 1 298,6 |
Ação social | 2 027,9 | 1 188,5 | 1 256,5 |
Rendimento Social de Inserção | 369,6 | 235,9 | 222,3 |
FONTE: Síntese da execução orçamental- Setembro de 2020 – DGO, Ministério das Finanças |
Entre 2019 e 2020, e em relação ao período janeiro/agosto de cada ano, verifica-se uma quebra nas contribuições de 250,4 milhões € em 2020, uma parte certamente determina pelas múltiplas isenções de contribuições concedidas pelo governo às entidades patronais mas não aos trabalhadores.
O que é ainda mais grave, é o facto da Assembleia da Republica ter aprovado um Orçamento Suplementar para 2020, em que consta a transferência de 2.492,4 milhões € do Orçamento do Estado para o Orçamento da Segurança Social para esta poder suportar a despesa extraordinária com os apoios a empresas e trabalhadores devido ao COVID 19.
O governo até agosto de 2020, dos 2.492,4 milhões € a transferir, só transferiu 460 milhões € (18,5% do total), e a Segurança Social já teve de pagar 1298,6 milhões €, o que causou a descapitalização da Segurança Social e o saldo negativo de -85,9 milhões€.
É evidente, se a transferência não for feita, o governo aproveitará a situação que assim criou na Segurança Social para congelar as pensões ou conceder aumentos de miséria em 2021 e para não aumentar o apoio aos desempregados, apesar da maioria não receber subsídio de desemprego (apenas 34 em 100 recebem).
É urgente exigir que o Governo cumpra as Leis que aprovou e que a Assembleia da República esteja atenta e ponha fim a esta situação de violação da Lei que está a descapitalizar a Segurança Social
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.