Na semana entre os dias 3 e 8 de outubro a região do Indo-Pacífico, Mar do Sul da China e Estreito de Taiwan, viveram os dias mais tensos das últimas décadas. Em função da radicalização do presidente Tsai Ing-Wen, do Partido Democrático Progressista da Ilha autogovernada, que não é nem democrático e nem progressista, vem defendendo cada dia com mais ênfase, a independência e separação da República Popular da China, que jamais ocorrerá. Neste ensaio trato de discutir esse tema, dando um histórico da questão e seus desdobramentos.
Quem me acompanha conhece a minha opinião de que o mundo já não está mais em transição entre a unipolaridade de 1991 e a multipolaridade desejada há muitos anos. Eu estou entre aqueles que têm defendido que a multipolaridade já chegou, e veio para ficar.
Ela só tende a se consolidar, porque o mundo hoje tem pelo menos três polos: Estados Unidos, Rússia e China. A União Europeia é, por certo, um polo que hora tenta ser independente, hora é submisso aos Estados Unidos, mas é um polo. O Brasil e Índia, mesmo sendo governados por líderes políticos de extrema-direita, subordinados aos EUA, mesmo assim, não deixam de ser polos econômicos, com grandes populações, grandes territórios e grandes economias.
Só que daqui até 2 de outubro de 2022, o Brasil reforça ainda mais a multipolaridade, com a quase certa vitória do presidente Lula. Ele mesmo falou em Brasília: “não vamos usar salto alto”. Dizer que ele é o favorito não é usar salto alto, é a pura realidade apontada pelas pesquisas.
Ou dizendo de modo diferente, Bolsonaro é franco favorito para a derrota. O mandato do primeiro-ministro Narendra Modi, na Índia, vai até 2023. Mas, ele também não se sustenta. A oposição a ele é muito grande.
Então, neste contexto de mundo multipolar, todos os pequenos e médios acontecimentos, tudo conta para reforçar o mundo multipolar. Por exemplo, a Venezuela abriu a fronteira com a Colômbia e esse fato geopolítico é muito positivo. Ele reforça a multipolaridade, porque é uma derrota para os Estados Unidos que queriam que a Colômbia atacasse a Venezuela, como queriam também que o Brasil fizesse o mesmo.
Semana passada ocorreu o encontro do ministro das relações exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken. Eles estão discutindo o desarmamento mundial, o que é positivo e ajuda a multipolaridade. Eu sou marxista e meu método de análise é dialético, de forma que tudo se relaciona.
Quando os Estados Unidos fazem alianças militares no Pacífico para agredir a China, ele tenta na verdade frear a multipolaridade. Mas não vai conseguir. A aliança chamada QUAD (Quadrilátero, formado por EUA, Índia, Japão e Austrália) e a aliança chamada AUKUS (EUA, Reino Unido e Austrália) tentam fortalecer os inimigos da multipolaridade.
Tudo isso não deixa de ser positivo, no sentido de mostrar de que o adversário de todos os povos – o imperialismo estadunidense – está precisando ampliar o seu arco de alianças, porque sozinho eles não conseguem mais a tão sonhada hegemonia para o mundo voltar a ser unipolar. Isso nunca mais vai acontecer.
O site chamado HispanTV, do Irã, em espanhol, deu uma manchete na semana passada, sobre um artigo dizendo que os EUA não conseguirão jamais confrontar a Rússia e a China, simultaneamente. É um artigo de um estudioso nos Estados Unidos, que o publicou em uma revista chamada National Interest (Interesses Nacionais) (1).
O artigo onde diz de forma muito clara que “os militares dos Estados Unidos não estão atualmente preparados para enfrentar a Rússia ou a China, mesmo em uma guerra convencional, muito menos em um conflito nuclear.” Quando um especialista chega a essa constatação, é mais um argumento que reforça nossa tese da multipolaridade.
Então, nós temos que ver o mundo na totalidade. Aqui e ali, surgem alguns reveses, mas o vetor principal é o do avanço, é o do caminho do mundo de consolidação da multipolaridade e do progresso. Mesmo com algumas situações como em Portugal, onde houve eleições municipais e a direita cresceu. Na França, a mesma coisa, em algumas regiões a direita ganhou. Mas, no geral, pesando-se aspectos positivos e negativos, o resultado, o vetor vai na linha do progresso.
História das tensões China e Taiwan
Não vou tratar da história desde a Proclamação da República da China, em 1911, quando acabou o império. Eu começo tratando a partir de 1945, quando o Japão se rendeu. Ele fazia parte do eixo nazifascista na Europa que havia, no dia 9 de maio, se rendido e foi assinado a sua derrota. Esse é o dia da vitória, comemorado na Rússia (2).
Mas, a guerra no Pacífico continuou, porque tinha que derrotar o império japonês e isso só iria acontecer no dia 2 de setembro, quando o Japão assinou a sua rendição (3). Assim mesmo, porque foram lançadas duas bombas, em Nagasaki e Hiroshima, nos dias 6 e 9 de agosto, em que morreram cerca de 250 mil japoneses (4).
Eu projetei em termos percentuais, o que isso significaria nos dias atuais, que seria equivalente a morrer instantaneamente 427 mil pessoas. Os Estados Unidos nunca pediram perdão para os japoneses por isso. O governo da burguesia japonesa abaixa a cabeça e diz sim senhor para os EUA. Eles têm uma oposição forte por lá.
Há muitos anos eu li o livro: The Japan that can say No (O Japão que sabe dizer não), de Akio Morita e Shintarō Ishihara (5) (6). Mas, esse Japão que sabe dizer não é hoje completamente minoritário. Hoje prevalecem os interesses dos Estados Unidos. Eles são aliados integrais, protegem o modelo capitalista, que eles adotam desde sempre. Bem, pelo menos uma parte significativa da sociedade japonesa. E eles são vassalos, são servos do imperialismo, mesmo este tendo ceifado quase meio milhão de compatriotas em números atuais.
Faço aqui um parênteses. Todos devem conhecer o escritor Fernando Morais, o maior biógrafo vivo no Brasil. Pois bem, ele tem um livro intitulado Corações sujos, de 2000 (7). Esse livro mostra uma experiência no interior de São Paulo (Brasil), na região de Marília e Tupã.
Tinha uma colônia japonesa forte em 1945 que adorava tanto o imperador e eles não acreditavam que a guerra tinha acabado e que o imperador havia se rendido. Ele conta toda a trama e que chegou até a ocorrer assassinatos de uma parte da colônia japonesa, subservientes, vassalos, adoradores, porque o imperador japonês é, para eles, como um Deus, ainda que hoje não mais o seja.
Essa parte da colônia fez de tudo para esconder a rendição. Até falsificaram jornais da colônia com notícias falsas que o Japão venceu a guerra. E chegaram a assassinar pessoas que ameaçavam dizer a verdade (8).
Então, a rendição foi uma coisa espantosa. O imperador se recusou a assinar, mas ele estava presente no ato e foram seus generais que assinaram. O general Douglas MacArthur foi nomeado pelos Estados Unidos como interventor no Japão, ao qual governou por cinco anos, de 1945 a 1950 (9).
O Japão, que tinha invadido a China em 1931, é expulso do país. Desde 1927 e até 1937, pelo menos, havia uma guerra civil na China (10). O exército de Mao Zedong, que não se chamava Exército Vermelho, mas Exército Popular de Libertação, lutava contra o exército oficial da República da China, que era governada por Chiang Kai-shek e quando houve a invasão da Manchúria, eles suspendem a guerra entre eles e fizeram um pacto de não-agressão e apontam todas as suas armas para o inimigo da Nação, inimigo comum.
É como quem diz assim: um inimigo acima das classes. O Japão só saiu mesmo da China quando se rendeu em 1945. Mas, terminada a expulsão, Mao Zedong continuou a sua luta pela tomada do poder político, o que acontece quatro anos depois.
No dia 1º de outubro de 1949 – completados na sexta-feira, dia 1º, 72 anos da revolução – que foi quando foi proclamada a República Popular da China, por Mao Zedong, do Partido Comunista Chinês. Ele já tinha sido eleito presidente pelo Conselho Nacional do Povo. Mas ele não tomou o poder sozinho, só com o Partido Comunista. E é aí que entra o conceito da frente ampla, o qual nós estamos defendendo para o momento atual da vida nacional para afastarmos o fascista que nos (des)governa.
Mao tinha oito partidos políticos junto com ele. Quem perdeu foi o Chiang Kai-shek, o general de extrema direita, fascista e anticomunista ferrenho, que só aceitou suspender a guerra entre eles, porque os seus generais foram para cima dele, chegando a prendê-lo em uma casa por um período, para que ele aceitasse a ordem do alto comando de fazer aliança com Mao Zedong. Caso contrário, os chineses perderiam a guerra.
O que aconteceu com a turma de Kai-shek? Se eles ficassem na China eles seriam presos. Então, eles decidiram fugir para ilha, que se chamava Formosa, que fazia parte da República da China. As pessoas que estavam lá eram chineses, como sempre foi.
Assim, Kai-shek com seu staff, o seu ministério e os seus generais, fugiram para a ilha e continuaram se apresentando ao mundo como República da China, que havia sido fundada em 1911, pela mesma pessoa que fundou o partido de Kai-shek, o Kuomintang-KMT. O nome do fundador da República da China é Sun Yat-sen, ele foi presidente apenas um ano, mas viveu até 1925. Ele é muito querido e sua imagem é muito cultuada na China, os comunistas o respeitam (11).
Havia uma orientação de Moscou, da União Soviética, sob o comando de Lênin, em 1921, do Partido Comunista da União Soviética, que fundaram na China o Partido Comunista da China, em 1º de julho de 1921, que completou 100 anos recentemente, de manter boas relações com o KMT.
Sun Yat-sen, também queria que o KMT tivesse uma boa relação com o Partido Comunista, porque ambos são republicanos e defendiam a soberania nacional, são patriotas etc. Moscou foi até Sun Yat-sen e orientou a, se possível, colocar gente dentro do Partido. Isso é o que alguns chamam de “entrismo”.
Entram e vão tomando conta da direção. Isso funcionou bem, de certa forma, de 1921 até 1927. Quando Sun Yat-sen morreu em 1925, essas ideias ainda não estavam muito fortes no seu Partido. Por isso em 1927 o KMT rompe essa relação mais harmoniosa e começa a chamada guerra civil e Chiang Kai-shek vira um ferrenho anticomunista. Por certo, já devia ser antes, mas ele estava sob controle.
Quando ele foge para Formosa – cuja cidade principal chama-se Taipé e não é sua capital – essa era uma região considerada uma província chinesa, como Hong Kong e Macau. Quando a ONU foi fundada em 1945, a China é uma das fundadoras, mas quem representa a China na ONU é a República da China.
A República Popular da China estava fora da ONU e isso perduraria até 1971, justamente no ano em que Nixon quebrou o gelo e visitou Pequim, ele e sua esposa Pat Nixon. Mao Zedong os recebe, o que deu uma repercussão muito grande. Portanto, foram necessários 22 anos para que a China passasse a ser verdadeiramente representada na ONU, pela República Popular da China. Quando os EUA estabelecem relações diplomáticas com a China, em 1979, sob o governo democrata de Carter, eles rompem “relações” com Taipé, assim como dezenas e dezenas de países do mundo inteiro. Hoje apenas 15 países reconhecem Taiwan como país, entre eles o Vaticano (12).
Chiang Kai-shek morre em abril de 1975. Havia perdido completamente o seu papel. Mas eles se consideram um país. Têm bandeira, hino, exército, marinha e aeronáutica, tem Constituição, tem Parlamento. Acham que são um país, mas nunca serão. Em comício realizado em uma Base Aerea taiwanesa, Tsai rejeitou com raiva o apelo do presidente Xi Jinping de uma reunificação pacífica (13).
A China tem um posicionamento claro: Taiwan é considerada uma província rebelde, igual a Hong Kong e Macau, chamados de províncias rebeldes, que foram recuperados e hoje são da China. É posição da China a defesa de Um país, dois sistemas, que já funciona em Hong Kong e Macau, que têm sistema capitalista ainda que regulado pelo Estado chinês, ainda que a China não seja capitalista. Mesmo com Taiwan, em governos anteriores, havia uma certa cooperação para o desenvolvimento.
Taiwan vai tentar, a partir de 1971, ser reconhecido como um país. Mas, jamais terão sucesso. A China não aceita manter relações comerciais diplomáticas com quem reconhece Taiwan. Mas, tem 15 países que reconhecem a Ilha como país. Com esses, a China não mantém relações. Na América são nove: Belize; Guatemala; Haiti; Honduras; Nicarágua; São Cristóvão e Neves; Santa Lúcia; São Vicente e Granadinas. O Vaticano é um dos 15, o que é muito estranho.
Taiwan, que se desenvolveu bastante, e para ter fôlego e respirar mundialmente, eles criaram um escritório de representações econômicas e culturais da Ilha de Taiwan. Este escritório, não é Embaixada nem Consulado, não tem status diplomático. Tem mais de 100 países que têm esse tipo de escritório, porque Taiwan tem uma particularidade na questão econômica.
A questão econômica
Quem nunca comprou um computador com peças fabricadas em Taiwan? A China também faz, claro, computadores. Vejam o caso da IBM, que vendeu sua divisão de PCs para a Lenovo chinesa (14). Mas, a peça mais importante para o computador funcionar e também o celular, é o chip, que são microprocessadores de memória.
É a única coisa que a China ainda não fabrica, porque não é um problema só de investimento. É preciso ter cérebros, cientistas com salários altíssimos na fabricação de um chip. Existem apenas quatro fábricas de chips no mundo: uma em Taiwan, uma na Coréia do Sul, uma na União Europeia e a outra, nos Estados Unidos. A China está correndo e deve inaugurar nos próximos dois ou três anos a sua fábrica. Todos os países precisam e compram de Taiwan, cuja empresa TSMC é a maior fabricante do mundo (15).
Mesmo os Estados Unidos não reconhecendo, esse país faz de Taiwan praticamente uma base militar. A Ilha é uma espécie de protetorado militar estadunidense. Centenas de bilhões de dólares em armamentos são vendidos pelos EUA para Taiwan, o que gera instantaneamente elevados protestos por parte do governo da China (16).
Depois do reconhecimento diplomático, os Estados Unidos não mantiveram mais nenhuma relação diplomática com Taiwan. E também é preciso dizer que eles reconheceram a China, a partir de Nixon e Carter, em especial pelo fato que a República Popular da China estava rompida com Moscou nessa época, e os EUA – na sua doce ilusão – achavam que poderiam atrair a China para o campo do capitalismo, contra a URSS.
Tsai Ing-wen pertence a um partido chamado Partido Democrático Progressista, que não é nem uma coisa nem outra, porque ela é uma fascista. Ela é belicista, não é pela conversa, diálogo ou pela diplomacia. Ela é secessionista. É muito comum ela aparecer em eventos trajando vestimentas militares de camuflagem.
Então, esses primeiros-ministros que a antecederam, mantinham com a China relações de cordialidade. Não queriam romper, mas também não queriam reatar. Mas, pelo menos havia trocas econômicas e comerciais. Mas, na realidade, a maioria hoje não quer o rompimento, mas a maioria também não quer uma China única, unificada. Esse é o problema.
Eu acompanho a política interna de Taiwan. Eu conheço muito de perto as políticas internas do Líbano, do Iraque, da Palestina, da Síria. Nesses países, por certo, eu conheço o nome dos partidos, o nome dos seus líderes, a composição das forças etc. Em Taiwan eu não sei se tem um partido que defenda claramente a unificação com a china. É algo que precisaria checar. Mas, é provável sim que tenha, mas deve ser minoritário na sociedade taiwanesa.
O Partido histórico do Kuomintang está fora do poder. Mas eles existem na Ilha, mas perdem as eleições. Não me consta ainda assim que eles defendam a unificação, mas também não defendem a declaração independência, da separação como a presidente Tsai tem ameaçado nos últimos tempos. Uma declaração dessa provocará uma reação da China imediata com a ocupação inteira da Ilha em menos que 24 horas.
Ela tem sido francamente favorável à secessão, mas ela não reúne coragem para decretar a separação. A ocupação pela China da Ilha não daria tempo hábil para os Estados Unidos saírem em sua defesa. Ela sabe que seu “exército” não tem a menor chance de enfrentar a China. Eu tenho dúvida se ela faria isso. Ela sabe que sua atitude terá sérias e imediatas consequências. Ela rejeitou a proposta do presidente Xi Jinping de unificação pacífica (17)
A política externa do governo Biden, não é igual à do Trump e nem a do Obama. São muito parecidas, mas existem mudanças. Eu não estou entre aqueles analistas que acham que é igual. Não é! Sabemos que Biden não é só presidente dos EUA. Ele é também chefe de um império, e vai fazer de tudo para manter a hegemonia no mundo, o que já não consegue mais.
Só tem um jeito deles tentarem fazer isso. É se deslocando para a região do indo-pacífico e tentando conter a China, inclusive, militarmente. Por isso que eles estão saindo do Oriente Médio. Afeganistão não é Oriente Médio, é Ásia Central. Essa parte do Oriente Médio chamada Ásia Menor, como dizia a Bíblia. Mas, foram escorraçados daquele pequeno país, por uma guerrilha camponesa.
Quem gosta de geopolítica, gosta de geografia também. Então, é só olhar um mapa do mundo e observar, ali na pontinha da Índia, aquele mar que banha a costa desse país é o Oceano Pacífico. Não sei o porquê eles batizaram esse Oceano de Índico. Por certo deve ter sido em homenagem à Índia, eles inventaram o nome do Oceano Índico, que é o menorzinho deles. Na verdade, só existem dois grandes oceanos, o Atlântico e o Pacífico. Mas, por isso usamos o termo Indo-Pacífico.
Neste momento fazem operações militares conjuntas, exercícios militares no indo-pacífico, seis ou oito Marinhas do mundo todo. Por lá no momento que escrevo este ensaio, estão quatro porta-aviões. E cerca de 150 aviões e mais de cem navios. Nunca a região teve quatro porta-aviões ao mesmo tempo, só dois, no máximo. Por isso a tensão está muito elevada na região.
A tensão que existe na região é antiga, mas sob o governo Biden, desde a sua posse, em 20 de janeiro de 2021, portanto, não fez ainda 10 meses, como já dissemos, ele já articulou duas alianças militares naquela região do indo-pacífico, contra a China.
Eu não vou me estender nesse ponto. Mas a assinatura do AUKUS, que são as siglas em inglês dos três países participantes: Austrália, Reino Unido e EUA, foi um golpe muito duro na França, que estava iniciando havia já dois anos o processo para fabricação de oito submarinos para a Austrália, que rompeu o contrato a pedido dos EUA. Isso gerou uma tensão muito grande e fez com que a Europa se afastasse um pouco mais dos Estados Unidos.
Tensão no mar do sul da China
A tensão no mar do Sul da China vem desde 1947, quando esse país ainda não era a República Popular. Eles desenharam o mapa e fizeram um acordo com os países vizinhos. Ali onde eles chamavam de as linhas das nove raias. Eles traçaram essas linhas que eram contornos do mapa (18).
Esse mar do Sul da China contorna e banha vários países. A China não se opõe a que esses países façam uma exploração econômica na sua costa, nas tais 200 milhas, que é o que delimita o Tratado Internacional dos Direitos do Mar, chamado oficialmente de Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês que significa United Nations Convention Laws of the Sea) (19).
Alguns desses países, especialmente as Filipinas, dizem que a China viola o UNCLOS e chegou a entrar no Tribunal Internacional de Arbitragem com uma queixa contra a China, em 2012. O tribunal deu ganho de causa para as Filipinas, mas a China não deu bola para isso e não reconhece essa decisão.
Os países banhados pelo mar são: Vietnã, Filipinas, Malásia, Brunei. Depois, tem Indonésia, Tailândia e Camboja, mas esses três últimos menos. Os cinco primeiros é que têm maior tensionamento. Existem ilhas nessa região que são estratégicas.
A China está construindo Ilhas artificiais – pois claro, no seu mar ela faz o que ela quer – onde implanta bases militares e campos de pouso, que são instalações maravilhosas, com uma impressionante e avançada tecnologia. Existem três ilhas que não são artificiais, são naturais. Em uma delas, descobriu-se agora há pouco tempo petróleo e gás.
Essas três Ilhas são: Spratly, Paracel e Seykaku. A primeira é reivindicada por Malásia, Vietnã e Filipinas, a segunda pelo Vietnã e a terceira pelo Japão, mas são chinesas. Tudo isso serve para aumentar o tensionamento.
O novo primeiro-ministro japonês
Tomou posse no último dia 5 de outubro, o novo primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida (20), ele é o centésimo desde o fim da guerra e já ocupou o cargo dez anos atrás e está voltando. Ele é do partido que mais venceu eleições em seu país, o Partido Liberal Democrata (21). Vejam na nota de referência que aqui publico, como o site classifica a ideologia desse Partido. Entre tantas outras posições de extrema direita, está o desígnio pega tudo, como quem diz “eles aceitam qualquer um como membro”.
Ele deu declarações dúbias e confusas, propositalmente, duvidosas. Eu discuti com três pessoas de minha esfera de relacionamento, analistas internacionais, e houve certo consenso sobre o que ele quis dizer. Ele provavelmente está indicando que vai colocar na mesa todas as opções. Ao falar assim, ele está usando uma linguagem militar. É como dizer: olha tem a opção diplomática, a econômica, mas tem também a militar. Então, todas as propostas estão na mesa. Vamos aguardar.
Na véspera dele tomar posse, o presidente da China Xi Jinping mandou uma carta parabenizando-o. O Xi não faz isso com um país hostil, como tem sido o Japão. Não lembro de ele ter feito o mesmo com outros primeiros-ministros. Fiquei pensando porque que ele faria isso com um cara que vai atacá-lo?
As dúvidas que foram colocadas hoje: será que esse novo primeiro-ministro vai jogar com a chamada carta dos direitos humanos? Será que vai bater na tecla de que a China viola os Direitos Humanos na região de Xinjiang, onde tem a etnia Uigur, que é majoritariamente muçulmana? Será que ele vai entrar nessa proposta dos Estados Unidos?
Nós não sabemos. Ou, será que ele manterá a estratégia para o indo-pacífico, no sentido de priorizar a Aliança Militar com os Estados Unidos para agredir a China? Também não temos essa certeza. O governo de Taiwan implanta a estratégia que o Japão e a Austrália implantaram até agora, que é a estratégia dos Estados Unidos para o indo-pacífico, de contenção da China.
Alguns autores que eu li nestes dias indagam: será que Taiwan também vai seguir nesta política de defender a estratégia estadunidense, transformando a ilha num posto avançado anti-China, que é o que o Japão tem sido, que é o que Austrália tem sido, postos avançados anti-China.
Existe um jornal na China chamado Global Times, editado exclusivamente em inglês e não circula na China, mas qualquer chinês pode ler, porque está tudo na Internet. Eu leio diariamente. Mas, chineses que só dominam o Mandarim, não vão conseguir ler. Este não é oficialmente o jornal do Partido Comunista, mas é um jornal oficioso, tudo que sai nele, seja no editorial, seja na reportagem, tem a linha do Partido.
O título traduzido da matéria a que me refiro é Tsai recorre a mestres para ajudar, por medo de consequências catastróficas. O que o Global Times quer dizer com isso? O jornal acusa a presidente taiwanesa de fazer alianças com “mestres’”, no sentido de líderes mundiais inimigos da China, para agredir ao país (22).
O editorial do jornal publicado dia 5 de outubro, curto e direto como é o seu estilo, refuta um artigo que ela publicou na revista mais prestigiosa de política externa no mundo, que é a Foreign Affairs. Eu leio essa revista desde 1995, quando traduzi um artigo muito importante e histórico do Samuel Philip Huntington, com o título Clash of Civilizations (Choque de Civilizações) (23).
Depois virou um livro. Ela escreveu um artigo para essa prestigiosa revista de política externa dos EUA intitulado Taiwan and fight for democracy, (Taiwan e a luta pela democracia). No artigo ela faz um alerta para os Estados Unidos de que se Taiwan caísse, as consequências seriam catastróficas para a paz regional e, o sistema de aliança democrática. Ela se sente a patrona da democracia.
O jornal, desta forma, refuta e tem um trecho em que eles dizem: Taiwan hoje funciona como um posto avançado anti-China, da estratégia indo-pacífica dos Estados Unidos. Ela desconfia do seu aliado, os Estados Unidos, ao mesmo tempo, inclusive, tendo exemplo de que o Afeganistão eles saíram só pensando neles.
A parte do artigo que mais me chamou mais a atenção é esta frase que eu nunca tinha ouvido e deve ser coisa da cultura chinesa: está claro para todos que Taiwan mordeu mais do que pode mastigar. Houve um período de cooperação pacífica entre o continente chinês e a ilha, durante a qual ambos os lados buscaram desenvolvimento compartilhado, mas foi arruinado pelo Partido Democrático Progressista. E tem o trecho em que ele continua acusando Taiwan de agir como um posto avançado estratégico contra a China, em troca da proteção dos Estados Unidos.
A melhor frase é esta: não há força no mundo cuja vontade de defender Taiwan seja mais forte do que a vontade da China de lutar contra a secessão e alcançar a reunificação. Não há força que vai demover a China de renunciar à sua disposição de impedir a separação e conseguir a reunificação.
A China ousa ter uma luta de vida ou morte contra qualquer força que dificulte nossa reunificação, mas nenhuma força ousa ou está disposta a lutar até a morte contra a segunda maior economia do mundo, bem como uma potência nuclear, a fim de impedir a reunificação da China. Pela primeira vez, vejo um palavreado da mais alta firmeza, não descartando recorrer à quaisquer método para impedir a separação de um povo e de um país.
Por fim, um outro artigo de 2 de setembro, que também achei muito bom em que eles atacam a União Europeia e seu Parlamento Europeu, que mantém em Taiwan o escritório europeu de economia e comércio. Eles emitiram um relatório dizendo mais ou menos assim: o relatório deste ano vê a ilha como uma peça importante na estratégia indo-pacífica da União Europeia.
O editorialista afirma que o tal relatório, pela primeira vez, baseia-se em fortes considerações políticas e não em cooperação econômica. O relatório chega em um momento em que a União Europeia está fazendo movimentos provocativos em relação à questão de Taiwan, apesar das ferozes objeções dos chineses.
E, para piorar as coisas, a Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu, que é o Poder Legislativo da UE, no dia 1º de setembro, aprovou um relatório que não é econômico. Ele não pediu, digamos assim, uma elevação das relações entre a UE e Taiwan.
Mas, eles incluíram no relatório frases em que pedem a inclusão da Ilha na estratégia indo-pacífica da UE, defendendo que a participação da Ilha como observadores em eventos internacionais, como se Taiwan tivesse algum status de país.
Isto é inaceitável para a China. Isto mostra o quanto o continente europeu ainda é subalterno aos Estados Unidos. Eles avançam por demais o sinal desta vez. Manter seu escritório e comprar produtos de Taiwan é uma coisa, não tem problema, e é sempre bem-vindo. Mas da maneira como está colocado, é uma verdadeira provocação.
Quero encerrar com uma frase que diz assim: quanto mais Taiwan se aproxima dos inimigos da China em todo o mundo, pior fica a sua situação, eles ficam mais perto de se moverem para o túmulo. São as palavras mais duras que já li em um editorial do Global Times.
Notas:
- Veja neste link <https://bit.ly/3iLOGqz> o artigo mencionado;
- É polêmico a data do dia da Vitória. Veja aqui neste link o dia que a Rússia reconhece <https://bit.ly/3DpCX8S>;
- Aqui neste link <https://bit.ly/3DtuRvT> maiores informações sobre a rendição do Japão;
- Informações completas sobre a explosão das duas bombas contra o Japão podem ser lidas neste link <https://bit.ly/3FqX0Wy>;
- No link a seguir você poderá saber mais do livro citado <https://bit.ly/3iQwFHG>;
- Neste outro link, o a tradução do livro pode ser baixada em PDF <https://bit.ly/3uYbb0k>;
- Neste outro link <https://bit.ly/3aqcP15> a sinopse do livro de Fernando Moraes;
- Aqui neste link quem queira assistir ao filme muito bem-feito <https://bit.ly/3mFu3O0>;
- Maiores informações do general estadunidense que comandou o Japão por cinco anos podem ser lidas aqui neste link <https://bit.ly/3BjcTf8>;
- Detalhes da Guerra Civil na China estão contidas neste link <https://bit.ly/2X6XjV6>;
- Os dados da biografia de Chang Kai-shek podem ser lidos neste site <https://bit.ly/2UpejUQ>;
- Tudo sobre as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a República Popular da china, ocorridas entre o período de 1971 com Nixon e 1979 com Carter podem ser lidos neste site <https://bit.ly/3FvsElH>;
- Neste link <https://bit.ly/2X218L3> pode-se ver a presidente de Taiwan em seu discurso de incitação ao rompimento com a China;
- Lenovo é hoje a maior fabricando de computadores pessoais do mundo e sobre ela pode-se ler mais aqui <https://bit.ly/3DxbLFc>;
- A maior fabricante de chips e microprocessadores do mundo é a TSMC taiwanesa e informações sobre ela aqui <https://bit.ly/2YyVS1Y>;
- Veja aqui neste site <https://bit.ly/3asPwnw> uma reportagem que só em agosto os EUA venderam mais de 700 milhões de dólares em armas para Taiwan;
- Aqui neste endereço <https://bit.ly/3mOSSHo> pode-se ler sobre o discurso de Xi Jinping propondo a reunificação pacífica de Taiwan;
- Aqui neste site a origem da chamada linhas das nove raias <https://bit.ly/3aqheBp>;
- Neste link pode-se ler tudo sobre a Convenção da ONU para o Mar <https://bit.ly/30714uE>;
- Informações sobre o novo primeiro-ministro do Japão podem ser lidas aqui neste site <https://bit.ly/3ltjkGY>;
- Mais informações sobre o PLD japonês podem ser lidas aqui <https://bit.ly/3ltVOtd>;
- Aqui neste link <https://bit.ly/3DzVq2P> pode-se ler o editorial em inglês do Global Times;
- Aqui neste link <https://fam.ag/3mKmTaZ> o famoso e polêmico artigo de S. P. Huntington em inglês e para assinantes;
- Jornal chinês em inglês, Global Times critica o parlamento europeu neste link <https://bit.ly/3aoM11s>.
Texto em português do Brasil