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Terça-feira, Julho 16, 2024

Desembargador rasga a Constituição e censura o Porta dos Fundos

Em afronta à Constituição, a Justiça do Rio de Janeiro determinou a retirada do ar do episódio de Natal do Porta dos Fundos veiculado pela Netflix.

Em afronta à Constituição, a Justiça do Rio de Janeiro determinou nesta quarta-feira (8) a retirada do ar do episódio de Natal do Porta dos Fundos veiculado pela Netflix. Em liminar, o desembargador Benedicto Abicair diz que decidiu recorrer à cautela para “acalmar ânimos”. A ordem passa a valer quando as partes forem intimadas. Segundo o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), não é possível estipular um prazo para a intimação, mas, por ser medida de urgência, pode ser que ela ocorra nesta quinta (9). ​

O especial retrata um Jesus gay (Gregorio Duvivier), que se relaciona com o jovem Orlando (Fábio Porchat), e um Deus mentiroso (Antonio Tabet) que vive um triângulo amoroso com Maria e José. Há ao menos sete ações na Justiça contra a Netflix, ajuizadas por lideranças de igrejas ofendidas com a paródia.

A reação ao episódio também ocorreu fora da seara jurídica. Na madrugada do dia 24 de dezembro, dois coquetéis molotov foram atirados contra a fachada do edifício onde funciona o Porta dos Fundos, na zona sul do Rio de Janeiro. Um dos suspeitos do crime se encontra na Rússia.

O pedido de suspensão do episódio, movido pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, havia sido negado em primeira instância e pelo desembargador de plantão. O recurso foi distribuído ao relator, Abicair, que teve entendimento diferente. “As consequências da divulgação e exibição da ‘produção artística’ (…) são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspenção (sic), até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos”, escreveu o desembargador.

Para ele, a suspensão é mais adequada e benéfica, “não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã”. A determinação de Abicair é provisória. O mérito ainda precisará ser julgado em sessão do colegiado, que decidirá se o episódio será de fato suspenso. Enquanto não houver nova decisão, a Netflix e o Porta dos Fundos poderão entrar com recursos para tentar derrubar a liminar.

Professor de direito na PUC-RJ, Manuel Peixinho diz que a decisão tem que ser acatada imediatamente pela Netflix, que tem duas opções: recorrer ao colegiado da corte (já que a determinação partiu de um único magistrado) ou ao seu presidente. Caso nenhuma dessas apelações prospere, há a alternativa de buscar o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, depois, o STF (Supremo Tribunal Federal).

Na decisão, o desembargador Abicair afirma que o Porta dos Fundos defendeu sua produção com agressividade e deboche. Ele cita brevemente o ataque contra a produtora e completa: “Veja-se que reações dessa natureza sempre podem motivar consequências irreversíveis e desdobramentos inimagináveis, o que, aparentemente, não ocorreu”. O desembargador se refere à associação que moveu o pedido como uma instituição que busca defender direitos da comunidade cristã, “a mais expressiva no Brasil”.

Abicair fez fama por criticar a “permissividade” vista em cortes e repartições públicas, com o vaivém de homens e mulheres com roupas que julga inapropriadas. “Houve época”, escreveu em artigo para o site jurídico Conjur em 2011, “que não era permitido nos fóruns e tribunais que as mulheres trajassem calça comprida, até que foi liberado seu uso, sendo um passo para os leggings, moletons, shortinhos, topes e até cangas”.

Ele também se mostrou saudoso dos tempos em que passageiros de avião adotavam o traje de passeio completo. “Atualmente vemos homens e mulheres seminus, encostando seus corpos suados nos ocupantes dos minúsculos assentos geminados. Bons tempos quando era politicamente correto ser bem vestido.”

O Centro Dom Bosco, autor da ação que acabou acatada pelo Ministério Público, é conhecido como polo do conservadorismo católico no Brasil. A entidade reúne leigos (pessoas que não integram o clero) e tem como um de seus propósitos formar “soldados de Cristo por meio da via espiritual e intelectual para atuar na cultura, defendendo a fé verdadeira”.

O mesmo centro já havia ido à Justiça contra a produtora. Pedia R$ 1 para cada visualização de Ele Está no Meio de Nós caso esse vídeo não fosse removido da internet. Nele, frisava o Dom Bosco, Jesus “estaria presente no ânus do homem que estava praticando o ato sexual”. A ação acabou extinta na Justiça no ano seguinte, 2018.


Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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