A pandemia do novo coronavírus já não é mais a responsável máxima pela derrocada do governo Jair Bolsonaro. Graças ao avanço da vacinação, a crise sanitária vem arrefecendo nos últimos meses, a ponto de a média diária de mortes por Covid-19 ter caído quase seis vezes – de 3.125 em 12 de abril para 546 nesta sexta-feira (17). Mesmo assim, a rejeição ao governo segue com viés de alta e voltou a bater recorde.
Conforme pesquisa Datafolha feita entre 13 e 15 de setembro, 53% dos brasileiros consideram a gestão bolsonarista “ruim” ou “péssima” – a pior marca alcançada pelo presidente desde o início de seu mandato. É possível que os criminosos ataques de Bolsonaro à democracia e às instituições, redobrados nos atos golpistas de 7 de Setembro, tenham contribuído para chamuscar ainda mais sua imagem. Mas analistas políticos e especialistas em opinião pública convergem em outra explicação: no radar dos brasileiros, sai, aos poucos, a pandemia – mas entra a economia.
Não é de hoje que o Brasil está às voltas com uma devastadora crise econômica. Só que o impacto dessa crise no dia a dia da população, especialmente a mais pobre, é cada vez maior e impede qualquer recuperação consistente da popularidade do governo Bolsonaro.
Segundo o Datafolha, cresce o percentual de brasileiros que indicam a economia, direta ou indiretamente, como o principal problema do País: 13% citam o desemprego, outros 13% apontam para a economia como um todo, 9% mencionam a inflação e 6% falam em fome ou miséria. Somados, são 41% de brasileiros que, instados a escolherem o vilão maior do governo federal, frisam algum dos muitos legados negativos da política econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes.
Entre aqueles que ganham até dois salários mínimos, as menções ao desemprego chegam 16% e à inflação, a 11% – e não é difícil entender a razão. Quanto menor é a renda da família, maior tende a ser o estrago causado pelo colapso econômico do governo Bolsonaro. Segundo o IBGE, cerca de 20 milhões de trabalhadores não têm emprego nenhum. São 14,4 milhões de desempregados (pessoas que estão hoje desocupadas, mas que têm buscado trabalho) e 5,6 milhões de desalentados (brasileiros que desistiram até de procurar emprego).
É nas camadas pobres que o flagelo da falta de trabalho se manifesta com mais força. Estudo da FGV Social divulgado na semana passada mostrou que, durante a pandemia, a taxa de desemprego se manteve relativamente estável – oscilando de 2,6% para 2,87% – entre os 10% mais ricos da população. Porém, na metade mais pobre dos brasileiros, a desocupação disparou de 26,55% para 35,98%.
Da mesma maneira, a inflação corrói preferencialmente o poder de compra dos mais pobres e faz expandir a miséria. O economista Paulo Kliass estima que, nos últimos 12 meses, a carestia dos mais pobres foi 32% superior à dos mais ricos. Resultado: 27 milhões de brasileiros vivem hoje na pobreza, cerca de três vezes mais do que em 2020. “A inflação acentua a concentração de renda e agrava a desigualdade social e econômica. Quem recebe menos está, proporcionalmente, pagando mais”, declara Kliass.
Segundo o economista, “se a pessoa ganhava pouco e não teve reajuste, o poder real de compra dela diminuiu, o que significa que o que ela ganha não dá para comprar o que necessita. Dessa forma, estamos vendo pessoas que viviam na miséria indo para a extrema miséria e os que viviam na pobreza caindo na pobreza extrema”.
Apenas neste ano, a inflação oficial da baixa renda, medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), saltou 5,9%. Com isso, o salário mínimo perdeu R$ 62 de seu poder de compra.
Os alimentos – cujos preços estavam em alta desde 2020 – continuam a encarecer em 2021. O café registrou inflação de 17% no ano; a margarina, 15%; o frango, 11%; e as carnes, 8,4%. Hoje, o preço da cesta básica de alimentos responde por nada menos que 65,32% dos ganhos mensais das famílias com renda de um salário mínimo, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Combustíveis e energia tampouco deram trégua. De janeiro a setembro, o etanol acumulou 40% de inflação, e a gasolina, 30%. Dentro de casa, o botijão de gás ficou 23% mais caro; o gás encanado, 14%; e a conta de luz, 10%. Vale lembrar que, como o governo não encarou à altura e em tempo hábil a crise hídrica, o “apagão de Bolsonaro” é iminente. A situação deve se agravar, com novos reajustes na conta de luz e prováveis racionamentos de energia.
Especulava-se que a vacinação em massa seria o atalho para a reabertura e a recuperação da economia brasileira, com o cerco gradual à pandemia. Apesar do governo, o Brasil está efetivamente mais protegido em relação ao novo coronavírus. Segundo o consórcio de imprensa, 66,14% da população tomou ao menos uma dose de vacina anti-Covid – o que garante imunização parcial. Para 37,18%, a imunização já está completa – com as duas doses ou a dose única. Ainda que lenta, a vacinação ajuda a vislumbrar a perspectiva de superar o estado de calamidade pública imposta pela pandemia.
Para a economia, porém, não basta vencer a pandemia. A queda de 0,1% do PIB brasileiro (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre sinaliza que o País não vai conseguir se recuperar, neste ano, da recessão recorde de 2020, quando a economia regrediu 4,1%. Já para 2022, a tendência é a de que o País não cresça nem 1% sequer, em mais um “pibinho” insuficiente.
E a conta do governo federal será maior no próximo ano. Só com precatórios, a dívida da União passará de R$ 54,7 bilhões em 2021 para R$ 89,1 bilhões, diminuindo a margem para investimentos estratégicos, como o reajuste do Bolsa Família. Ao terminar seu mandato, via impeachment ou via voto, Bolsonaro deixará a seu sucessor incontáveis heranças malditas. Que saia do cargo o quanto antes, para o bem do povo brasileiro!
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado