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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Desemprego: o tema esquecido nos debates eleitorais

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O desemprego em Portugal é a maior causa da pobreza, no entanto o desemprego, que está a aumentar, tem sido o grande esquecido nos debates eleitorais

Neste estudo, utilizando dados oficiais, mostro que se verificou uma oscilação importante no emprego ao longo do ano de 2023, variando de trimestre para trimestre, o que gera insegurança, e que o desemprego oficial divulgado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (317659 inscritos nos centros de emprego em dez.2023) e pelo INE com base num inquérito trimestral (354600 no 4º trim.2023), que depois a maioria dos os órgãos de comunicação social divulgam também sem contraditório, não corresponde ao verdadeiro desemprego existente no país, sendo muito inferior ao realmente existente (o desemprego efetivo, em dez.2023, era pelo menos 459000, e para além destes ainda existem 178000 que vivem numa situação de pré-desemprego).

Também mostro utilizando dados da Segurança Social que o apoio aos desempregados continua a ser muito insuficiente no nosso país (em dez.2023, apenas 39 em cada 100 desempregados recebem subsídio de desemprego) o que determina que quase metade dos desempregados vivam na pobreza segundo o próprio INE. Apesar desta situação atingir centenas de milhares de portugueses e respetivas famílias não tem merecido atenção nos debates eleitorais

 

Estudo

O desemprego em Portugal é a maior causa da pobreza, no entanto o desemprego, que está a aumentar, tem sido o grande esquecido nos debates eleitorais

Segundo os últimos dados disponibilizados pelo INE, que são os de 2022, estavam no limiar da pobreza 10% dos empregados, 15,4% dos reformados e 46,4% (os homens 48,5%) dos desempregados. E um grupo designado por “Outros inativos” 31,2% estavam na mesma situação. Apesar do desemprego ser a causa principal da pobreza no nosso país, não tem merecido praticamente qualquer atenção nos debates eleitorais. É como não existisse desemprego no país, como não fosse o principal problema que enfrentam centenas de milhares de portugueses e famílias. Por isso, não é demais trazer novamente para o espaço público a situação de centenas de milhares de portugueses que enfrentam uma situação muito difícil ( a maioria está totalmente desprotegida na pobreza).

 

A INSTABILIDADE DO EMPREGO NO NOSSO PAÍS EM 2023: os altos e baixos do emprego trimestrais

O gráfico 1, construído com dados divulgados pelo INE em jan.2024 mostra a variação trimestral do emprego durante o ano de 2023, relativamente às principais categorias profissionais.

A análise dos dados INE constantes do gráfico permite tirar algumas conclusões importantes sobre a situação de insegurança atual dos trabalhadores empregados no nosso país visível nos altos e baixos do emprego das diferentes categorias profissionais ao longo do ano de 2023, segundo o próprio INE. Assim, em relação aos “especialistas de atividades intelectuais e científicas”, o número de trabalhadores aumentou entre o 4º Tim.2022 e 2º Trim.2023, mas a partir deste último trimestre observa-se uma diminuição continua, de tal forma que no fim de 2023 o seu número é inferior ao do 4º Trim.2022. A instabilidade trimestral, embora tendo como referências trimestres diferentes, regista-se também em relação às categorias profissionais “técnicos e profissões de nível intermedio” (o seu número aumenta até ao 3ºT2023 verificando-se no 4ºT uma redução abruta), aos trabalhadores de “serviços pessoais, de proteção e de segurança”, cujo número diminui entre o 3º e 4º trimestres de 2023. Em relação às restantes categorias também se verificam oscilações de trimestre para trimestre. E estes valores são os saldos líquidos de centenas de milhares de trabalhadores que perderam o emprego e dos que obtiveram emprego em cada trimestre. E isto porque as entradas e saídas o INE não divulga. Porquê?

 

OS NUMEROS OFICIAIS DO DESEMPREGO CONTINUAM A ENGANAR A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE A SUA DIMENSÃO

Existe em Portugal duas entidades oficiais que divulgam dados sobre o desemprego. São elas o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) que tem os “centros de emprego”, e o INE. Mas nenhumas delas divulga dados rigorosos sobre a dimensão do desemprego pelas seguintes razões. O primeiro – o IEFP – apenas considera os desempregados que se inscrevem nos centros de emprego. E há muitos desempregados que não o fazem porque já concluíram que os centros de emprego conseguem emprego para muitos poucos empregados e empregos com salários muito baixos, próximos do salário minino ou mesmo apenas empregos em que os patrões querem pagar só o salário mínimo nacional. A segunda entidade que divulga dados sobre o desemprego é o INE, com base num inquérito por amostragem que faz trimestralmente, mas no número de desempregados que divulga não considera os desempregados que no mês em que o fez inquérito não procuraram emprego. Por isso, os dados que divulga não correspondem ao verdadeiro número de desempregados. Todos os desempregados que não procuraram emprego é como não existissem para o INE. O quadro 1, mostra na linguagem fria dos dados oficiais a falta de consistência dos dados sobre o desemprego divulgados mensalmente pelo IEFP e depois publicitados pela comunicação social sem contraditório.

Quadro 1 – Desempregados inscritos nos Centro de emprego que desapareceram dos seus ficheiros

Se somarmos ao número de desempregados inscrito no Centros de emprego em 1/1/2023 (307005) àqueles que se inscreveram nos Centros de emprego nos 12 meses de 2023 (561895) obtemos 868900. Se retiramos a este total aqueles que os Centros de emprego arranjaram trabalho (91832) restam 776968. Mas o IEFP divulgou que em 31.12.2023 apenas existiam inscritos nos Centros de emprego 317659. E é este o número que a comunicação social divulga sem contraditório como fosse o desemprego verdadeiro. A pergunta que se coloca e que não é esclarecida é a seguinte: O que aconteceu aos 459309 desempregados que desapareceram dos ficheiros dos Centros de emprego? A falta de consistência dos dados do IEFP é evidente. Vejamos agora os dados do INE.

Quadro 2 – O desemprego oficial, o desemprego real, e a dimensão subutilização do Trabalho em Portugal

No último trimestre de 2023 o número oficial de desempregados divulgado pelo INE foi de 354,6 mil (no 4º trim.2022 eram 344,2 mil). No entanto se somarmos a este número oficial de desempregados – 354,6 mil – os desempregados que o próprio INE diz que não considerou pelo simples facto de não terem procurado emprego no período em que o INE fez o inquérito – 104,4 mil – o total de desempregados efetivos já sobe para 459 mil desempregados em Portugal no fim de 2023. Para além destes ainda existiam 146,5 mil que faziam “biscates” para sobreviver pois não conseguiam encontrar um emprego a tempo completo e 31,3 mil que já procuravam emprego, mas que ainda não estavam disponíveis para começar a trabalhar (muitos deles deviam estar em processos de despedimento ou a procurar um novo emprego pelo facto do emprego em que estavam o salario ser muito baixo – 10% dos empregados estão no limiar da pobreza segundo o próprio INE – ou tinham condições de trabalho não aceitáveis). Ao todo, para empregar os termos do próprio INE, existiam 636,8 mil trabalhadores subutilizados que podiam criar riqueza, mas que não fazem por estarem impossibilitados porque não conseguem encontrar trabalho.

 

O APOIO AOS DESEMPREGADOS É MUITO INSUFICIENTE E BAIXO CONDENANDO A MAIORIA À POBREZA

O gráfico 2 mostra de uma forma clara que o apoio aos desempregados no país continua a ser manifestamente insuficientes vivendo 46,5% deles na pobreza segundo o próprio INE.

Em dez.2023, apenas 39,5% dos desempregados (do desemprego real) recebiam subsídio de desemprego. Em dez.2023 o subsídio medio mensal era apenas de 585€, próximo do limiar da pobreza. Com este reduzido apoio a pobreza alastra-se no país. Os desempregados mereciam uma atenção maior nos debates eleitorais pois é uma camada da população muito desprotegida e esquecida.


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