A nossa elite continua a não entender o povo que votou o BREXIT, a actual maioria italiana ou que tomou conta do centro da Europa e mais, julga que a solução para os problemas que enfrenta está em usar os poucos poderes de que usufrui para disciplinar os rebeldes, e prepara-se por isso para provocar um naufrágio de grandes proporções.
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Uma Davos na Auvergne
Laschamps é uma pequena aldeia a quinze quilómetros de Clermont Ferrand, a cidade mais importante da “Auvergne” uma região rural do centro da França. A aldeia é conhecida sobretudo pelos antigos cones vulcânicos que inspiram o nome aos seus estabelecimentos de turismo rural (conhecidos como “gites” em França).
Foi aí que um centro de investigação estabelecido em parceria pela Universidade local (Universidade de Clermont Auvergne) e pelo Centro Nacional de Investigação Científica – forma tradicional da investigação científica francesa – resolveu promover a sua Universidade de Verão sobre “Modelos Integrados de Avaliação, Economia, Energia e Clima”.
Dirigido sobretudo a estudantes de doutoramento, mas participado também por profissionais e académicos de centros de investigação, administração, “‘startups” tecnológicas e organizações ambientais, a semana reuniu dezenas de jovens (e alguns menos jovens) na sua maioria matemáticos e ou peritos de tecnologia de informação com formações de base económicas, sociais ou de ciências físicas, oriundos dos cinco continentes.
Na sua esmagadora maioria, os presentes seriam facilmente confundíveis com os turistas de mochila às costas que cruzam os itinerários turísticos de Verão e as instalações recriam um pouco do ambiente dos nossos conhecidos “albergues de juventude” em ambiente rural, exactamente nos antípodas do luxo e da convenção das informais cimeiras anuais de ricos e poderosos no centro turístico suíço de Davos.
No entanto, foi Davos que me veio à cabeça ao pensar na congregação de Laschamps, porque os presentes estiveram sobretudo a reflectir e debater os caminhos abertos ao mundo, não na base do seu poder económico ou político, mas na base de outro poder certamente mais importante que é o do poder do conhecimento científico.
Entre os presentes, e sobretudo entre os palestrantes, podíamos naturalmente encontrar os representantes das ortodoxias burocráticas que nos dominam, que creem no poder absoluto da modelização e no simplismo da tríade com que os constroem, mas na sua maioria, estávamos perante jovens brilhantes com grandes conhecimentos em matérias que iam para além dos chavões politicamente correctos e com uma capacidade de pensar e imaginar que saltava da matemática ou das ciências da computação para os mais vários domínios da realidade.
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A Europa no mundo
Os organizadores da Universidade de Verão resolveram inscrever no programa uma mesa redonda onde dois antigos parlamentares europeus (uma ex-deputada austríaca e eu) animaram o debate sobre a realidade da construção europeia com base na sua experiência parlamentar.
O interesse e curiosidade dos presentes pela realidade europeia – tanto os da maioria, oriundos da União Europeia, como os do resto do mundo – foram intensos e permitiram um interessantíssimo debate de algumas horas que tocou questões de funcionamento institucional, os grandes debates civilizacionais do nosso tempo e a prospectiva sobre o nosso mundo.
A curiosidade e o empenho posto pelos presentes no debate mostra que as notícias sobre a morte da Europa se revelam por enquanto exageradas, mas creio que não colocam de lado esse cenário, que a mim me continua a parecer o mais provável se a Europa continuar a ser dirigida pela burocracia sem alma e sem valores fechada no casulo que construiu e de que a modelização e o jargão da moda são um pouco o “santo e a senha”.
A nossa elite continua a não entender o povo que votou o BREXIT, a actual maioria italiana ou que tomou conta do centro da Europa e mais, julga que a solução para os problemas que enfrenta está em usar os poucos poderes de que usufrui para disciplinar os rebeldes, e prepara-se por isso para provocar um naufrágio de grandes proporções.
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Uma visão de desenvolvimento integrado
Na base de três comunicações que apresentei nos últimos anos (a primeira, numa sessão lateral à COPS 21 organizada pelo SADF em Paris em Dezembro de 2015, a segunda numa iniciativa do princípio deste ano em Bruxelas e a terceira apresentada no contexto de um painel organizado pelo SADF numa conferência mundial em Goa de há menos de um mês) argumentei ser necessária uma visão integrada alternativa ao que chamei da “monomania climática”.
A questão essencial é ética, uma ética simultaneamente conservacionista; porque quer conservar as maravilhas legadas pela natureza; e iluminista, porque acredita na capacidade de melhorar a nossa realidade. E por isso o desenvolvimento passa tanto pela simples preservação das maravilhas da natureza, da biodiversidade, dos oceanos, lagos, florestas ou estepes como pela disseminação das maravilhas da técnica que nos permitem quebrar as condicionantes dessa mesma natureza à nossa liberdade, conhecimento e bem-estar.
Exercício necessariamente delicado, que corre o risco de resultar no seu inverso, destruição das maravilhas da natureza e escravização por totalitarismos resultantes dessa mesma técnica, e que por ser complexo não cabe em simplificações triangulares.
Fruir de alimentação saudável, da liberdade de viajar por naturezas ricas e diversas, do bem-estar, de conhecer cada vez mais, preservando a água, terra e ar que nos rodeiam. Tudo isso pode ser modelizado, em vários cenários, valorando diversamente múltiplos elementos sem torcer a realidade.
As emissões atmosféricas são um dos componentes a ter em conta, lado a lado com as emissões sobre água e terra, tendo em conta que o uso do solo e da água são tão ou mais decisivos que a utilização de várias formas de energia sobre os impactos atmosféricos.
No meio de tudo isto, a humanidade, as suas necessidades e os seus sistemas de valores, que tão pouco são unívocos mas que nunca podem ser ignorados. Tudo pode ser resumido ao que consta da visão que resulta dos objectivos do desenvolvimento sustentável, eliminando mesmo, vários dos indicadores, alvos e objectivos redundantes e introduzindo outros que são necessários.
Um modelo que é compatível com a incerteza e com escolhas, em busca de validação pela realidade e com a capacidade de se corrigir, fugindo do dogma e dos sermões.
Um modelo a ser pensado, debatido, por todos nós, com o imprescindível contributo da ciência, sem deixar que a linguagem da ciência nos impeça de ser agentes de pleno direito da sua construção.
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