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João de Sousa

Sexta-feira, Dezembro 27, 2024

Desesperadamente calma

Confissões de uma mulher à deriva.A última vez que me reencontrei, vagueava pelo universo, flutuando entre os astros e planetas, não me lembro se sorri para mim… pois sabe a amargo, sabe bílis, sabe a fel… este interior paludicamente crónico. Esta alma ambulante que vagueia nua pelo cosmo da sobrevivência… máximas como o importante é saúde, o amor vale mais que o dinheiro, o que não tem remédio remediado está, deixaram de fazer sentido.

Como ter saúde quando se tem fome? O que é a saúde? Diz o meu o meu dicionário que é o estado de equilíbrio e bom funcionamento do organismo. Será salutar uma mulher e mãe de quatro filhos separada e desempregada?

E como fazer uma declaração ou demonstração de amor a uma criança que foi expulsa da escola por falta de um caderno ou lápis, senão comprando (com dinheiro) o que ela necessita para suprir as suas necessidades? E como se remedeia quando não se tem mesmo nada?

Estava eu passando pelo Plutão, quando uma luz no fundo, denunciava a presença de vestígios do meu amor-próprio, estilhaçado na velocidade da luz, a catedral do meu eu, invadida por ilusão a quem chamei de bem emocional… como consegui distinguir uma frustração que me causou tantos danos morais?

Hoje decidi ir ao ginásio, não antes de cortar o cabelo de dois dos meus meninos, lavar roupa, ir ao mercado e fazer o almoço… ainda tive de trocar uma lâmpada… depois questionei-me se ainda precisava de exercícios… exercitar propriamente o quê?

Chego ao ginásio tão cansada, mas exercito; exercito a mente e a auto estima e aí consigo alguns minutos para mim. Tenho sonhos. Às vezes consigo ser fria e fingir que não sinto a carência adulando meu ego. E me adapto ao surreal… o facto de ainda respirar. E então minha necessidade adequa-se ao momento. Eu sou essa voz que fala dentro de ti, cobrando por empréstimos não feitos. Vagueio de orgasmo em orgasmo tentando abafar a carência que insiste em adulterar a minha auto-lealdade… na cabeceira o relatório médico da filha que aguarda por uma amnistia ou talvez um milagre na barriga do porquinho onde amealho esta minha magra esperança.

O que é ser pobre?

Voltei a consultar o dicionário…

  1. que não tem recursos (quando me falta energia eu oro)
  2. que inspira compaixão (nunca demonstrei tristeza)
  3. pouco produtivo (não paro de plantar)
  4. com poucas condições de desenvolvimento (ainda assim continuo a regar)

Depois consultei pobreza:

  1. falta de meios a subsistência humana (só luto para que o dia amanheça)
  2. ausência de recursos financeiros; carência (não te ter, me deixa carente, quem tem o teu amor tem tudo?)
  3. falta de inteligência, ou de qualidade (não sou nada medíocre)

A ultima vez que me reencontrei… não me reconheci…

Continua…

A autora escreve em PT Angola

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