Quando há algumas décadas que estamos a assistir ao crescimento das desigualdades, ao aumento dos impostos regressivos e a cada vez maiores subsídios públicos para banqueiros e bilionários dos países capitalistas desenvolvidos, importa observar as raízes socioeconómicas das desigualdades e a relação entre a concentração da riqueza e a mobilidade descendente das classes trabalhadoras e assalariadas.
A desigualdade não é resultado da evolução tecnológica nem dos maiores ou menores níveis de educação, como tantas vemos ouvimos afirmar; ela é o resultado de salários baixos que proporcionam o aumento dos lucros, de fraudes financeiras, de resgates e da evasão aos impostos de milhares de milhões de euros, conseguidos pela oligarquia económica enquanto os trabalhadores pagam impostos desproporcionados para educação, saúde, serviços sociais insuficientes.
Na grande economia que é a norte-americana, 60 a 70% das empresas consegue não pagar impostos, graças ao sistema de créditos e isenções, enquanto os seus trabalhadores pagam entre 25 a 30% em impostos; a evasão fiscal é estimada em cerca de 500 mil milhões de dólares anuais e os resgates públicos a empresas financeiras e outras atinge a dezena de biliões de dólares. Entre nós, ao contrário do que repetitivamente nos querem fazer crer, as empresas não suportam uma carga fiscal excessiva, pois estão apenas sujeitas a uma taxa média de IRC, que em 2018 de 21,1% e um terço destas não paga imposto, número que subiria para o dobro se não fosse o mecanismo do pagamento especial por conta; já os rendimentos do trabalho suportaram em 2017 uma taxa efectiva de IRS da ordem dos 13,15%. Segundo informação da DGF as empresas sujeitas ao regime simplificado suportaram, no biénio 2015/2016, uma carga fiscal média de 22,7% e as que estão sujeitas a contabilidade organizada omitiram 437,8 ME de rendimentos tendo pago apenas uma taxa entre 6,5% e 8%, assim originando uma perda potencial anual para o erário público de 1.250 milhões de euros de rendimento tributável. Enquanto isso, só o resgate do BES já custou cerca de 3 mil milhões de euros.
Os inovadores bilionários encontraram uma nova maneira de evitar impostos usando paraísos fiscais no exterior (que abrigam pelo menos 10,4% do PIB mundial, ou seja, 7,5 biliões de euros) e reduções de impostos domésticos, enquanto pagam salários pouco acima do nível de pobreza aos seus trabalhadores e vêem assim aumentados os lucros e a sua riqueza. Os seus executivos ganham centenas de vezes mais do os que seus trabalhadores de produção.
As desigualdades de classe são ainda mais reforçadas pelas divisões étnicas – onde os bilionários brancos, chineses e indianos exploram trabalhadores afro-americanos, latino-americanos, vietnamitas e filipinos –, pelos salários de miséria, que têm feito florescer os grandes empórios da distribuição (Walmart) e do e-comércio (Amazon), e pela distinção nos cuidados de saúde.
As desigualdades acumulam-se ao longo do tempo, transmitem-se de geração em geração e atingem todos os sectores da actividade económica. Ao contrário do que tantas vezes nos tentam fazer crer, as grandes fortunas asseguram-se entre os que têm acesso às melhores escolas, aos melhores cuidados médicos, às melhores redes de influência, enquanto a sua riqueza lhes garante cobertura favorável, quando não bajuladora, da imprensa e os serviços dos advogados e dos contabilistas mais influentes para garantir as suas fraudes e evasão fiscal.
Até no capítulo da teoria económica surgiu quem, convenientemente, argumentasse que uma tributação mais regressiva contribuiria para o aumento do investimento e do emprego. Algo que a observação empírica refuta, pois, o grosso dos lucros assim obtidos acaba direccionado para a compra de acções, para o aumento dos dividendos distribuídos aos investidores e não para o investimento na economia produtiva; impostos mais baixos e lucros maiores significam mais aquisições e maiores fluxos de capitais para países com salários baixos.
O tempo levou a que esta plutocracia passasse a ser garantida também pelo poder político, através da designação dos líderes e das equipas de apoio que aprovam medidas orçamentais que promovem o aumento dos lucros, reduzem os benefícios sociais e enfraquecem as organizações sindicais. Durante as crises mais recentes tem-se assistido a uma aceleração do processo de concentração da riqueza, primeiro através da transferência dos efeitos das crises para os trabalhadores, que numa primeira fase se vêem colocados numa situação de desemprego para depois serem readmitidos como trabalhadores temporários ou com horários reduzidos, e depois através dos resgates públicos, que sob o argumento da existência de empresas grandes demais para falirem, acabam a compensar os interesses dos bilionários mas não os de uma massa de trabalhadores demasiado fraca para defender os seus salários, os seus empregos e o seu padrão de vida.
Graças à deliberada desorganização e pulverização das organizações sindicais, os trabalhadores assalariados são cada menos organizados e politicamente influentes, trabalham mais por salários menores, sofrem maior insegurança e lesões no local de trabalho, que tantas vezes terminam em invalidez, abandonam o sistema, morrem mais cedo e mais pobres enquanto continuam a fornecer lucros inimagináveis para os bilionários.
Embora distantes dos grandes plutocratas e do seu poder, até os pequenos capitalistas nacionais conseguem influenciar o poder político e reclamar por mais investimento público em infra-estruturas que ajudem a expandir as respectivas economias nacionais, por impostos mais baixos para aumentar os seus lucros e por subsídios estatais para financiar a formação da força de trabalho que usam, enquanto defendem a redução dos fundos para a saúde e a educação pública; por outras palavras, na luta por participações nos lucros os interesses de grandes e pequenos capitalistas confluem nas mesmas políticas regressivas e promotoras das desigualdades.
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