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João de Sousa

Domingo, Novembro 3, 2024

Desistir ou a perda das ilusões?

Desistir não significa necessariamente fracasso ou desgraça. Podemos desistir sem que para isso tenhamos a sensação de perda ou de falha.

Conta a fábula de Esopo que certa vez uma raposa, morta de fome e de sede, ao passar por um grande pomar, avistou uma videira carregada de cachos de uvas maduras e apetitosas. Depois de se certificar que o caminho estava livre para colher os cachos de uvas e de se satisfazer com eles, começou a pular e a fazer todos os esforços no sentido de os alcançar. Já cansada, depois de todas as suas tentativas para lhes chegar, faminta e sedenta, desiste da empreitada, encolhe os ombros de tamanha frustração, e, dando-se por vencida, vai embora desapontada indo dizendo para si mesmo e para quem a quisesse ouvir: “ As uvas afinal estavam verdes mesmo, por isso não me servem para matar nem a fome nem a sede”. Um pouco mais adiante, ouviu um barulho estranho que julgou ser algum cacho de uva caindo ao chão. Voltou a correr para ver se, de facto, se tratava das uvas, mas para sua deceção era somente umas folhas que haviam caído da parreira. Uma vez mais dececionada, virou de novo as costas e, desistindo, foi-se embora.

Esta fábula mostra-nos que, ao não conseguirmos os nossos objetivos pelas limitações que nos estão e são inerentes, devemos aceitar essas limitações com humildade e aceitação; muitas pessoas, não almejando o que pretendem, ao contrário, reagindo com orgulho e presunção, desdenham do que não conseguem, tal como a raposa, refugiando-se em desculpas várias, desprezando com altivez o que não conseguem alcançar.

Desistir não significa necessariamente fracasso ou desgraça. Podemos desistir sem que para isso tenhamos a sensação de perda ou de falha. E quantas vezes isso nos obriga à superação de nós mesmos e à oportunidade de assistir a outras vitórias que sem o esforço bem direcionado seriam impossíveis de vermos realizadas.

Mas também podemos ver o desistir como a perda das ilusões, quando a realidade – e dependendo da realidade – bate firme e direto sobre nós, sem contemplações, deixando um rasto de desilusão e de destruição a que não podemos, nem fugir, nem mitigar. O que fazer então quando isso sucede, é o difícil. Cada ser humano reagirá ao seu modo, sem que o sofrimento e o desengano não sejam denominadores comuns a todos. Apesar disso e de tudo, temos sempre a oportunidade de fazer da tragédia uma lição; da deceção, a oportunidade de corrigir os desequilíbrios; do sofrimento, a oportunidade de redenção. No fim, e fazendo jus ao ditado popular, entre mortos e feridos salvaram-se todos.

  • Esopo: escritor da Grécia Antiga a quem se atribui a fábula como género literário
  • Fábula: estórias em que os animais falam e possuem características humanas.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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