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Domingo, Dezembro 22, 2024

Deve haver liberdade para o culto ao preconceito e ao ódio?

Para os nazistas, a “liberdade” corresponde a naturalização da discriminação e a banalização do preconceito.

A liberdade é um valor ético que só pode ser analisado e exercido em sociedade. Mesmo sendo uma virtude reivindicada pelos jusnaturalistas como própria da essência humana, em nenhuma circunstância pode ser confundida com voluntariedade, desvario ou desatino. Ser livre em uma ordem civilizada, pressupõe o respeito a preceitos morais amplamente convalidados pela humanidade (que não surgiram no abstrato, mas testados no decorrer do processo histórico e ainda sujeitos a esse movimento). Ser livre, portanto, significa ter direitos – amplamente reconhecidos e consensuais – para manifestar-se, para deslocar-se, para fazer opções, tudo isso nos horizontes das regras histórica e socialmente estabelecidas. Ser livre é, sobretudo, saber respeitar o outro naquilo que ele é. Desta forma a liberdade afirma-se como virtude civilizadora e não como incivilidade.

Não há liberdade fora das relações sociais historicamente construídas. No plano político, a democracia liberal burguesa adquire sua legitimidade na afirmação de direitos formais que preservam a integridade dos indivíduos, que os protege na condição de sujeitos de direitos. O Estado democrático e de direitos é, portanto, o guardião dos direitos fundamentais, dentre os quais a liberdade tem proeminência. Neste sentido, as diferenças são reconhecidas como expressões afirmativas da heterogeneidade do tecido social, da capacidade plural de criação da espécie humana, da sua riqueza artística, cultural e genética. A beleza da raça humana é produto da sua diversidade étnica.

A liberdade de expressão, portanto, é uma manifestação lícita e, lícito é tudo aquilo que é ética e socialmente justo, historicamente válido e legítimo. Não é esse o parâmetro de liberdade que os nazistas reivindicam. Para eles ser livre é ser “anti”, ser contra. A “liberdade” invocada por essa gente, significa o direito de poder eliminar o diferente, de negar e censurar o pluralismo e, ao mesmo tempo, o direito para afirmar-se como padrão, como monopólio da verdade. Os nazistas – a história já comprovou – não aspiram a liberdade de expressão, eles desejam a exclusividade da opinião… foi assim e será assim se a forças civilizadas silenciarem e não impuserem um freio!

Ser “anti” não significa discordância, portanto, não corresponde a divergências de opinião. Ser “anti”, significa não aceitar o diferente como expressão legítima, como parte integrante de uma “comunidade de semelhantes”. Ser “anti” é uma forma de negar o pertencimento do outro, de não o reconhecer socialmente. Portanto, para os nazistas, a “liberdade” corresponde a naturalização da discriminação e a banalização do preconceito. O preconceito, a difamação, a censura, a difusão do ódio são componentes ordinários do seu elenco de arbitrariedades. O preconceito, sobretudo ele, é o fundamento moral para a eliminação do outro. As populações ancestrais da Amazônia brasileira são vítimas seculares dessa discriminação que assassina pessoas e elimina sociabilidades e culturas.  O Povo ianomâmi, por exemplo, está sendo vítima de ataques criminosos por uma horda de invasores que assaltam o seu território, violam seus costumes, ritos e crenças, destroem a floresta e os matam, ante o silencio e a indiferença dos poderes públicos que deveriam proteger. São vítimas da escalada secular do genocídio e etnocídio indígena.

Não há exercício de liberdade na negação do conteúdo ético dos valores do outro. “A liberdade de organização dos nazistas como partido político” defendida pelo youtuber Monark e pelo deputado federal (DEM – SP) Kim Kataguiri, não pode, sob qualquer hipótese, ser assemelhada ou confundida com o direito à liberdade de expressão. No mundo civilizado não há registros sobre sociedades que reconheçam o direito à eliminação dos “diferentes”, ao genocídio de pessoas e grupos sociais vítimas de discriminações medievais. A liberdade é, ao mesmo tempo, um valor legítimo e legal. É legitimo porque amplamente convalidado socialmente; é legal por integrar o regramento histórico de muitas comunidades cívicas.

As atitudes nazistas não guardam sintonia alguma com o ideal de liberdade. Os seus apologistas não cultivam a liberdade estética, repudiam a razão cientifica, abominam a heterogeneidade de gênero, achincalham a diversidade étnica, criminalizam o pluralismo ideológico, desdenham da verdade como parâmetro do diálogo público, estimulam o ódio aos adversários. Por sinal, registre-se, o ódio torpe, banal, destituído de causação, é o combustível para a eliminação física do “indesejado”.

A liberdade como valor civilizatório é reivindicada como um bem comum, como um direito inalienável. Em o Estatuto do Homem, o ilustre poeta Thiago de Mello afirma que na ordem democrática, livre das tiranias – atualmente muitos tiranos estão saindo dos esgotos -, não será permitido o uso falaz da palavra liberdade. “… a liberdade será algo vivo e transparente/ como um fogo ou um rio,/ e a sua morada será sempre/ o coração do homem.” O coração do nazismo não tem abrigo para o amor. Os seus nutrientes são o preconceito, o ódio, a estupidez!


por Edval Bernardino Campos, Professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará – FASS/UFPA | Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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