Há 14 anos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) tem preparado um plano de contingência contra uma pandemia. O documento foi publicado em Janeiro de 2006, mas foi revisto em Março de 2007, sob coordenação de Graça Freitas, a actual directora-geral da Saúde.
Foi o resultado de quatro anos de preparação e contou com a colaboração de diversas instituições, entre as quais o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e o Infarmed.
O prefácio do documento é assinado por Francisco George, na altura director-geral da Saúde, no qual refere a criação, em Estocolmo, em Maio de 2005, do novo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que iniciou, desde logo, um vasto programa de apoio à prevenção e concepção de sistemas de alerta e resposta a uma ndemia.
Francisco George destacava que “a teoria cíclica das pandemias de gripe, fundamentada por vasta evidência científica, é hoje admitida por epidemiologistas em todo o mundo e adoptada pelos principais centros de virologia. Em Portugal, a fórmula encontrada para melhor explicitar a necessidade da preparação de respostas é sintetizada pela expressão ‘a pandemia pode ocorrer dentro de seis meses ou seis anos’. Expressão que traduz a noção da pandemia não acontecer de forma abrupta. Não imediatamente inesperada. Que há tempo para actuar”.
Não foram seis anos mas foram 13 e surgiu de forma mais ou menos abrupta e com uma dimensão que nenhum plano de contingência tinha previsto. Quase premonitório, Francisco George dizia que o plano de contingência “será seguramente útil no futuro”. Justificava o então director-geral da Saúde que “quanto melhor for a preparação da resposta, menores serão os efeitos da pandemia”.
A incerteza que rodeia a ameaça de uma pandemia de gripe e o desconhecimento científico quanto a uma série de factores condicionantes de uma resposta efectiva e eficiente justificam que esteja prevista a revisão e actualização periódica do Plano de Contingência Nacional, em parte ou no todo, em função da evolução do conhecimento e da epidemiologia da doença”.
Na realidade, esse plano de contingência preparava o país para uma eventual pandemia do vírus da gripe e não tanto contra um coronavírus. Graça Freitas explicava que os vírus da gripe do tipo A eram os únicos com potencial pandémico. “Muito raramente (três vezes no século XX), a gripe manifesta-se como uma pandemia, quando um novo subtipo de vírus da gripe do tipo A se transmite de forma eficaz e sustentada entre pessoas”. A especialista também referia que a pandemia podia ter uma duração de oito a 12 semanas e que a sua contenção só seria possível se fossem tomadas medidas numa fase precoce, destinando-se, principalmente, a atrasar a progressão da doença, permitindo o seu melhor controlo, até existir a possibilidade de vacinação.
O documento da autoridade de Saúde afirmava, contudo, que “o Plano de Contingência Nacional deve ser encarado numa perspectiva mais ampla do que a circunscrita à gripe, tendo em consideração as suas potencialidades para ser adaptado a outras emergências de saúde pública”. A outra coordenadora do plano, Ana Cristina Garcia, avançava que “embora dirigido à pandemia de gripe, o Plano de Contingência Nacional privilegia as estratégias com potencialidades para proporcionarem a resposta adequada à eclosão de outras emergências de saúde pública”, como veio a acontecer este ano.
O plano de 2007 definia três condições para a ocorrência de uma pandemia: o aparecimento de um novo subtido de vírus para o qual a população tem pouca ou nenhuma imunidade, a capacidade de o novo subtipo viral se replicar em seres humanos e de provocar doença grave e o vírus adquirir a capacidade de transmissão eficaz de pessoa a pessoa. No novo coronavírus que causa a Covid-19 essas três condições acabaram por se verificar.
Embora o plano da DGS se dirigisse essencialmente ao vírus Influenza, mais concretamente à Gripe A, já tinha acontecido o surto de um coronavírus semelhante ao actual, uma Síndrome Respiratória Aguda (SRA), em 2003, baptizado entretanto por SARS Cov-1 (o novo coronavírus chama-se SARS Cov-2). Por isso o documento também se refere às medidas tomadas em Hong Kong durante a SRA de 2003: lavagem frequente das mãos; diminuição acentuada dos contactos sociais; encerramento de escolas, de piscinas e de outros locais públicos; cancelamento de eventos desportivos; desinfecção de táxis e de transportes públicos; e uso de máscaras por uma percentagem elevada da população.
No início da actual pandemia foi desaconselhado o uso de máscaras entre a população em geral. Já no plano de 2006 actualizado em 2007 era recomendado o uso de máscaras cirúrgicas por profissionais de saúde e por doentes, mas “o uso de máscara cirúrgica por toda a população não é geralmente recomendado”.
“Uma vez instalada a pandemia, a vacinação será, de entre as intervenções de saúde pública, a única verdadeiramente eficaz para a suster. Prevê-se que a vacina possa estar disponível quatro a seis meses após a declaração da pandemia”, sugere ainda o plano de contingência de 2007, que dá um prazo muito curto para o desenvolvimento de uma vacina. Tal justifica-se porque o plano foi desenhado especialmente para o vírus da gripe ou para uma nova estirpe da Gripe A, e não para um novo coronavírus, como está a acontecer, para o qual é necessária uma vacina completamente nova e que não deverá estar pronta antes de meados do próximo ano, segundo os especialistas.