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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

Dia de cão na véspera do dia do assalto

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

Ou para tirar o foco da entrega do pré-sal no leilão  de hoje, ou para abafar as suspeitas rumorosas das investigações do assassinato de Mariele Franco, ou por conta das duas coisas, Bolsonaro e sua trupe abriram ontem o saco de maldades, mentiras e propostas destrutivas.

Um dia de cão, síntese dos 300 dias de infortúnio que ele festejou ontem como se vivêssemos momento de prosperidade, paz e confiança no futuro. Por seu lado, o ministro Paulo Guedes apresentou seu AI-5 econômico, pois o político, ainda “é preciso ver como fazer”, como disse o general Heleno.

Mais uma vez os brasileiros tiveram que ouvir Bolsonaro defender a ditadura, afirmando que naquele tempo o “Brasil voava”, crescia a 10% ao ano, tinha paz, prosperidade e pleno emprego. Difícil saber o limite entre a ignorância e a cretinice. Ele devia saber que, esgotado o milagre econômico onde houve mesmo crescimento, mas às custas de um brutal endividamento público, especialmente externo, sobreveio a recessão agravada pelo choque do petróleo. O Brasil que a Nova República recebeu ao fim da ditadura tinha inflação galopante, dívida externa estranguladora e economia estagnada.

E como não produz metáfora que não fale de sexo ou casamento,  Bolsonaro emendou que “alguns probleminhas” sempre acontecem, como entre os casais.  Devia se referir a coisas para ele secundárias, como a tortura disseminada, quatro centenas de mortos e desaparecidos, centenas de cassados e milhares de prisões arbitrárias, afora a censura, o confisco do habeas corpus e outras garantias fundamentais.  Não há país no mundo que, tendo vivido uma ditadura, tolere que se fale bem da tirania. Só no Brasil isso acontece, e vem da boca do presidente da República. Aqui ao lado mesmo, o presidente chileno Sebastián Piñera é um direitista mas não ousa fazer a defesa de Pinochet. Como faz Bolsonaro, por sinal.

Ontem eles parecem ter combinado produzir uma chuva de fatos e factoides capazes de atordoar o país na véspera do grande leilão e no meio de tantos escândalos. O ministro Sérgio Moro, através de sua Polícia Federal, tentou resgatar o espírito ofensivo da Lava Jato, em seu momento de maior descrédito. A PF quis prender a ex-presidente Dilma, o ex-presidente do Senado Eunício Oliveira, o ex-ministro Mantega e  o ministro do TCU Vital do Rego. Seria a volta aos dias triunfais, à exibição de autoridades algemadas diante das câmeras. O ministro do STF Luiz Fachin não autorizou, assim como a PGR. Não viram qualquer fato que justificasse a medida extrema. São os novos ares do STF, que no passado recente atendia a todos os caprichos da Lava Jato.

Isso foi mais tarde. O dia começou com o presidente e seu filho Carlos  transpirando ódio numa rede social, atacando o PT e a oposição porque levaram ao STF uma representação contra ambos, por terem “pegado” a memória dos registros de entrada no condomínio em que moram e têm como vizinho um dos assassinos de Mariele.

No final da manhã, sem ter agendado a visita, Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes foram ao Congresso levar o alardeado pacote de medidas econômicas. Começaram a entrega pela parte mais palatável: a revisão do pacto federativo, com promessa de destinação de mais recursos, inclusive do pré-sal, a estados e municípios. Mas a borduna estava lá: municípios pequenos, que não gerem mais de 10% do que gastam, serão anexados a outros. E a voz do moradores, que votaram a favor da emancipação em plebiscitos? Ora, o povo é sempre um detalhe. Às  vezes incômodo.  O plano de Guedes “aprimora” a PEC do teto de gastos: põe ordem no arrocho geral,  engessa não apenas gastos da União como também dos entes federados,  desvincula receitas que garantem os serviços públicos e desvaloriza os servidores.  As desonerações vão atingir também o Simples, e por tabela os milhões de trabalhadores pejotizados e os microempresários.

Distribuindo maldades, Guedes aderiu ao populismo religioso do chefe usando pulseira com versículo bíblico. Hoje ele entregará a proposta de reforma administrativa, uma bordoada nos servidores públicos, um desmanche de carreiras e da estabilidade que garante ao Estado um corpo técnico comprometido com o interesse público. Não podia faltar uma inconstitucionalidade: servidores filiados a partido político não terão estabilidade. “São militantes, não servidores”, disse Guedes. Se o sujeito passou no concurso e atende aos requisitos, tem a garantia constitucional da livre filiação partidária, desde que isso não afete seu desempenho. Se passar, cai no STF.

O AI-5 político que Eduardo Bolsonaro ainda não veio, “é preciso ver como fazer”, disse o general Heleno. Mas o AI-5 econômico, Guedes já providenciou.

Nesta quarta-feira pela manhã ele vai tomar café na casa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, com todos os senadores (os que tiverem estômago). Ali verá se estão dispostos a engolir o prato amargo tal como apresentado.


Texto original em português do Brasil



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