Estamos dentro de um avião caindo com um piloto ensandecido estourando champanhe.
Bolsonaro quadruplicou a aposta. A quinta-feira (26) foi marcado por uma disputa. De quem é a culpa e/ou responsabilidade pela iminente situação econômica dramática dos mais vulneráveis? De um lado, Bolsonaro acusando “alguns governadores e a mídia”. Dou outro, governadores, deputados e a Globo acusando o governo de não cuidar adequadamente dos mais pobres.
O discurso do presidente – contrariando a experiência internacional e a ciência – polarizou parte da sociedade e pautou o debate nacional. Associações empresariais e comerciais subiram o tom pela reabertura das cidades. Há sinais de que alguns governadores e prefeitos podem ceder.
O presidente protagonizou um verdadeiro Stand Up Comedy na porta do Alvorada. Bolsonaro fala como se estivesse de chinelo e sunga num quiosque da Barra. Desconhece a palavra liturgia. O desempenho de hoje vai entrar para história:
“É um absurdo o que fizeram com a economia. Um crime fecharem tudo. Como fica a diarista? O barbeiro? O motorista do UberCo?”
“O brasileiro tem que ser estudado, mergulha no esgoto e não pega nada. O vírus já deve estar por aí e não acontece nada (risadas). Quer pegar o metrô agora comigo? Vamo porra? Tá com medo? Hahaha”, disse ao repórter.
“Se minha mãe, que faz 93 anos amanhã, pegar covid-19 eu assino me responsabilizando e dou cloroquina a ela. Não tem mais na farmácia (mostrando o remédio), alguém quer comprar aí? (risadas para os jornalistas) Tô fazendo negócio! (gargalhadas).
“Tá preocupado por quê? Você vai dormir comigo? (risadas)”. Respondendo à imprensa sobre seu exame para aferir covid-19.
“Eu não sei o que é Bolsa de Valores, eu não sei nada de economia, por isso a economia está dando certo (risada)”.
O Congresso percebeu o movimento do Capitão de tentar capturar o discurso para os mais vulneráveis e tentou reagir. Guedes havia enviado uma proposta de “Coronavoucher” de apenas 200 reais por mês. Os deputados aumentaram o valor para 500 reais. Na porta do Alvorada, o presidente parece ter jogado Guedes para o alto e dado um contragolpe nos deputados anunciando 600 reais. Foi o valor aprovado.
Importante registrar que esta situação – que ao final fez o povo contar com um valor bem maior que o original – só foi possível graças à articulação do Centrão com a esquerda. Um ótimo sinal. O deputado Orlando Silva, do PCdoB, foi decisivo nesta construção.
Na mesma disputa de narrativas, a Globo fez hoje um “JN Social”. Tentou empurrar no Capitão o pouco investimento para superação da crise econômica. A Globo keynesiana foi demais!
O liberalismo nunca mais será o mesmo. Trump anunciou 2 trilhões de dólares para proteger a renda dos cidadãos e salvar empresas. A União Europeia, 5 trilhões de dólares. Espanha e Grã-Bretanha estão estatizando hospitais. O vírus engoliu Adam Smith. É cada vez mais difícil imaginar Guedes na Economia. Não faz o menor sentido.
Witzel pediu água. Disse que se até segunda feira o governo federal não ajudar, o estado entrará em colapso. Doria tem em São Paulo uma fortaleza. O Rio está quebrado, absolutamente dependente da União. No meio de uma guerra aberta entre presidente e o governador, uma população vulnerável ameaçada por uma epidemia.
Mandetta não apareceu na coletiva do Ministério da Saúde. Os rumores de sua demissão voltaram a circular com força. Quem apareceu se esforçou para fornecer argumentos que sustentem a tese do confinamento vertical.
O fantasma do dia ficou por conta da troca de comando nas Forças Armadas. Uma mudança de rotina, sem nenhuma inspiração política. Tem momentos que fica a impressão de que uma parte da esquerda deseja uma Ditadura pra chamar de sua.
A temperatura da disputa vai subir nos próximos dias. Até vídeo institucional com o slogan “O Brasil não pode parar!” o Palácio soltou. As mortes também vão subir.
Numa situação de normalidade já seria uma das piores crises de nossa história. Estamos dentro de um avião caindo com um piloto ensandecido estourando champanhe. A tripulação resolveu sair no tapa. Os passageiros também. Vivemos uma guerra de todos contra todos. Como disse outro dia Aldo Rebelo, estamos num momento de grave desorientação nacional.
por Ricardo Capelli | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado