Resistir sempre foi a marca do cinema brasileiro e de seus cineastas, seja nos primeiros anos silenciosos, passando por chanchadas, cinemanovistas, até à retomada.
Dia 19 de junho é considerado o Dia do Cinema Brasileiro. A história está sempre nos pregando peças. A data remete ao dia 19 junho de 1898, que até pouco tempo marcava a primeira filmagem feita no país por Affonso Segretto. A bordo de um navio, ele filmou Baía de Guanabara. Porém, descobriu-se depois o filme Maxixe, de Vítor de Maio, filmada no ano de 1897, um pouco antes de Segretto. Datas à parte, o que importa é que lá se vão mais de 120 anos produzindo a sétima arte e mostrando a cultura nacional. Mas não foi e nem é simples.
Mesmo no começo do século passado, alguns filmes tiveram grande sucesso, como Os Estranguladores. Era a chamada Época de Ouro, em que se produzia, distribuía e exibia dentro do parque comercial brasileiro, criavam-se receitas. Mas não demorou muito. A dificuldade em importar fitas virgens para filmar criou um abismo entre o Brasil e os países da Europa. Com a 1ª Guerra Mundial, o Velho Continente entrou em crise, e os EUA avançaram uma casinha, via Hollywood – suas produções aportaram em terras brasileiras com enorme apetite. Logo, os distribuidores americanos fizeram acordos com os nossos exibidores, passaram a importar seus próprios filmes e exibi-los no Brasil, deixando as produções nacionais no ostracismo.
Iniciou-se uma luta para ter políticas de proteção ao cinema nacional. Foi somente na metade do século 20 que se buscaram meios de obrigar os exibidores a projetar filmes brasileiros, mas de maneira bem comedida. Até hoje, mendigamos cota de tela para chegar ao público. Desde a criação da Agência Nacional de Cinema (Ancine), que estimulou construção de salas e obrigatoriedade nas TV’s e streaming, ainda é uma luta de Davi contra Golias.
Se a exibição é um caso sério, a produção oscila entre o mambembe e as superproduções. Isso não é nada ruim, pelo contrário – a profusão de temas que são tratados no nosso cinema é bem fértil. O problema é que estamos sempre desvalorizando nossos filmes.
A chanchada foi acusada de ser superficial, apesar de se tratar de uma comédia de costumes que arrastava multidões. A Companhia Vera Cruz, um grande investimento industrial, sofreu críticas por fazer “cinemão”, o que, para muitos, era importação melodramática dos norte-americanos. Mas é de lá que sai O Cangaceiro, primeira obra do cinema brasileiro com reconhecimento mundial,.
O Cinema Novo – que foi a nossa maior vitrine no mundo e lançou grandes cineastas, como Glauber Rocha – também foi duramente criticado por ser considerado intelectualizado demais ou, às vezes, hermético. E assim foi com o “cinema marginal”, os malucos da Belair, o Cinema da Boca, com seus erotismos de quinta categoria. Sobrou até para os filmes financiados e distribuídos pela Embrafilme. Nada, nada passou sem sofrer críticas severas. Um grande absurdo!
E, como se alguém falasse um “fecha essa bodega!”, o cinema quase fechou no governo Collor! Quase, porque ainda produzíamos parcos longas – e havia muita produção de curta rolando.
Para o público, o cinema brasileiro renasce poucos anos depois do impeachment de Collor, com lançamento de Carlota Joaquina, Princesa do Brazil. Não que a produção estivesse parada, mesmo com o “caçador de marajás”. E ele renasce assim, com Carlota (Marieta Severo) limpando os sapatos e dizendo: “Desta terra eu não quero nem o pó!”.
Mas essa é a terra onde produzem filmes de A a Z, como dizia Manoel Rangel, ex-presidente da Ancine. E é a terra que inclui mulheres, negros e negras, comunidade LGBTQIA+ na direção das produções. Os gêneros de terror, policial, suspense e infantil ganharam espaços. Produções nacionais foram para as telas, e muitas ganharam destaques mundo afora. Envolveram milhares de trabalhadores do audiovisual, movimentaram bilhões de reais para os cofres públicos.
Mesmo com tudo isso, o setor continua sob ataque. Sobra até para a Cinemateca Brasileira, mas isso é um outro capítulo dessa história.
O que sabemos, ainda hoje, é que temos de lutar para ter cota de exibição nas salas de cinema para os nossos próprios filmes. As frases de efeito afirmando que que filmes brasileiros só tem violência e sexo, que o áudio é ruim, que não temos bons roteiristas continuam a poluir as mentes das pessoas. Uma grande balela!
O que está́ por trás dessa contrapropaganda é o pensamento colonizado e de subserviência da nossa elite, que tenta impor a ideia de que o “de fora” é sempre melhor e tem mais qualidade. Essa elite formulou o vira-latismo.
Porém, resistir sempre foi a marca do cinema brasileiro e de seus cineastas, seja nos primeiros anos silenciosos, passando por chanchadas, cinemanovistas, até́ a retomada. Nenhum governo conseguirá apagar essa história, muito menos os medíocres.
Pegando carona no samba de Nelson Sargento, o cinema agoniza, mas não morre! Ele não morrerá! Viva o cinema brasileiro!
por Vandré Fernandes, Cineasta, dirigiu os documentários Camponeses do Araguaia – A Guerrilha Vista por Dentro (2010) e Osvaldão (2015) | Texto em português do Brasil
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