Desde 1927, o 11 de agosto é comemorado como o Dia do Estudante. A data foi escolhida na comemoração do centenário da criação dos primeiros cursos de Direito no país em Olinda (PE) e São Paulo, que deram origem à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Para refletir sobre a data em 2020, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) conversou com Iago Montalvão, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Iago fala sobre a importância da resistência estudantil contra o desmonte da educação promovido pelo desgoverno de Jair Bolsonaro e de não se retomar as aulas presenciais sem um controle efetivo da pandemia do coronavírus.
Inclusive a UNE com a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG) promovem nesta terça-feira (11), um grande ato nacional para levar à sociedade a luta antifascista e “o cenário de emergência do setor educacional e da saúde pública”.
Para Iago é importante comemorar a data “porque se não comemorarmos as nossas vitórias, mesmo que de resistência nós não teremos o ânimo e a esperança necessária para seguir lutando”.
Para ele, “o que precisamos fazer agora é pensar o futuro. Sobre como será a retomada das aulas e de todas as atividades econômicas quando houver possibilidade”.
Confira a entrevista na íntegra
O Brasil vive uma crise sanitária que agravou a crise econômica em curso e já contamos mais de 100 mil óbitos pelo coronavírus e um desemprego crescente. Mesmo assim, empresários da educação e governadores querem o retorno às aulas presenciais. É o momento de retomada das aulas?
Iago Montalvão: Esse não é o momento de retomada das aulas presenciais. As universidades são espaços de grande aglomeração e muita circulação cotidiana. Muitos estudantes, durante a pandemia, voltaram para as suas cidades e quando as aulas presenciais voltarem, esses estudantes retornarão à cidade de origem de seu curso, de seu campus e isso vai gerar uma migração de muita gente que pode estar carregada com o coronavírus. Então é muito perigoso. Precisamos tomar muito cuidado com a vida das pessoas neste momento. Coisa que esse governo não vem fazendo.
Em que condições a retomada deve acontecer?
Quando a curva de contaminação estiver em decréscimo com a pandemia controlada e houver uma vacina comprovadamente eficaz. O que precisamos fazer agora é pensar o futuro. Sobre como será a retomada das aulas e de todas as atividades econômicas quando houver possibilidade, quando os índices de contaminação estiverem de fato apontando uma queda da contaminação e aí preparar as universidades com estrutura, com planejamento de retornos graduais, de retornos híbridos e isso é algo que tem que ser feito desde já para termos os investimentos necessários para as universidades e também as escolas do ensino básico funcionarem adequadamente e com prevenção da doença.
Bolsonaro parece querer destruir a educação. A reação estudantil está na mesma proporção?
Os estudantes têm reagido com muita força sobre os ataques do Bolsonaro à educação. Um exemplo disso foi o tsunami da educação que fizemos o ano passado, no mês de maio. Essas foram as maiores manifestações contra o governo Bolsonaro e foram conduzidas pelos estudantes. Naquele momento em que ocorreram os cortes de investimentos nas universidades federais e também as ofensas proferidas pelo então ministro da Educação (Abraham Weintraub) chamando de balbúrdia as atividades acadêmicas.
Desse momento em diante muita luta vem sendo construída. Promovemos resistência ao programa Future-se, que visava acabar com a liberdade acadêmica nas universidades públicas e nós impedimos que esse projeto prosperasse.
E a nossa luta continuou o ano passado inteiro e conseguimos retomar os recursos que foram retirados. Neste ano, com muita mobilização conseguimos o necessário adiamento do Enem e nos somamos aos secundaristas e aos professores na defesa do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) permanente.
A própria queda do Weintraub foi fruto da luta dos estudantes, tanto pelas manifestações como pelas redes sociais.
Então a resposta dos estudantes então tem sido a resistência?
A nossa resposta tem sido muito intensa porque quando você não investe em educação, quando você corta esperanças, especialmente aqui falando das universidades públicas você está prejudicando o desenvolvimento do país, a produção de tecnologia, a produção de ciência, que vai de fato impactar no futuro do nosso país para ser um país mais forte, mais rico. Também vai impactar na vida de todas as pessoas, porque um país que não tem desenvolvimento tecnológico, que não tem profissionais bem formados, que não tem universidades fortes, acaba não conseguindo produzir riquezas e distribuindo essa produção para o povo.
A maioria dos universitários brasileiros está em universidades particulares, qual a importância do Programa Universidade Para Todos (ProUni), criado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, nesse contexto?
O ProUni é um programa fundamental que garante o acesso de muitos jovens à universidade, especialmente os jovens de baixa renda, que historicamente foram excluídos do ensino superior. São esses jovens sem dinheiro para pagar uma boa escola, que prepara melhor para esses vestibulares, que são na verdade peneiras de conteudismo. O ProUni é fundamental para esses jovens.
Felizmente o ProUni segue firme e forte. Não há perspectiva de se acabar com o ProUni, mas é claro, em se tratando de governo Bolsonaro, permanecemos sempre atentos com os ataques que são feitos à educação.
O principal alvo são as universidades públicas?
As universidades federais têm sido alvo de muitos ataques, não apenas nas questões de financiamento, mas na tentativa de desmoralização dos estudantes e professores para criar um clima favorável ao desmonte.
Quando os ministros ou o presidente da República falam que é balbúrdia, que é plantação de drogas, o alvo é desmoralizar o ensino público. Tudo isso porque há uma visão autoritária e conservadora de valores que eles querem impor a essas universidades. Só que em universidade pública não se impõe valores, porque é o espaço da pluralidade, da diversidade, do pensamento. É impossível impor um pensamento único ali.
E essa falta de investimento também vai sufocando, reduzindo a capacidade e essas universidades são as que produzem a maior parte das pesquisas no país.
Nesta pandemia isso ficou muito claro.
Durante a pandemia quem tem produzido máscaras, álcool em gel mais barato, equipamentos de respiradores e vêm desenvolvendo pesquisas com as vacinas são as universidades públicas. São elas também que dão suporte aos hospitais universitários com tratamentos inovadores.
O impacto para a sociedade das universidades públicas vai além da formação de bons profissionais que vão contribuir com o crescimento do país, mas também do impacto da pesquisa, de como essas instituições contribuem com a sociedade, entregando coisas importantes como tem acontecido no combate ao coronavírus.
Com todos esses acontecimentos, há o que comemorar neste Dia do Estudante?
Claro que sim. Temos que comemorar porque se não comemorarmos nossas vitórias, mesmo que de resistência, nós não teremos ânimo e a esperança necessária para seguir lutando. Dou alguns exemplos os quais temos que comemorar, porque para esse ambiente de retrocessos, toda resistência quando concretizada é uma vitória importante.
Temos que comemorar a queda do Weintraub do Ministério da Educação, a conquista do adiamento do Enem, que o governo não queria e foi empurrado a tomar essa decisão pela luta dos estudantes. A própria aprovação do Fundeb na Câmara dos Deputados foi fruto de nossas lutas.
O Fundeb é um programa importantíssimo criado há anos, mas que tinha um prazo de validade até 31 de dezembro deste ano e agora conseguimos aprovar o Fundeb permanente como emenda constitucional, um investimento fundamental para a educação básica, para as escolas, para os estudantes das escolas públicas de nosso país.
Esses são motivos de comemoração. Sempre que nossa luta conquistar uma vitória, impor uma derrota ao inimigo, fazer o inimigo recuar, temos que comemorar, mas comemorar no sentido de apontar para frente, para a luta se fortalecer e continuar focada. Porque temos muitos motivos para lamentar, mas essa lamentação nossa precisa se transformar em vontade de lutar.
Os cortes na educação, o orçamento cada vez mais sendo reduzido, os ataques recorrentes às universidades públicas, os estudantes que não têm acesso aos computador, à internet, que estão sem assistência estudantil neste período tão difícil, os estudantes das universidades particulares sendo massacrados cotidianamente por uma universidade que não os escuta, os estudantes que pagam mensalidades abusivas e que neste momento de pandemia não consegue pagar. Tudo isso é um processo de luta constante. E só com muita luta temos conseguido importantes vitórias.
Texto em português do Brasil
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.