Com colapsos sistemáticos e anunciados do sistema de saúde do Amazonas, o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, defendeu, em alerta nesta quinta-feira (21), decretação imediata de lockdown e envio urgente de missão de observadores internacionais para garantir medidas sanitárias. Manaus é vista como maior catástrofe sanitária da pandemia no mundo e como laboratório a céu aberto de necropolítica.
O epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, tem sido a voz no deserto em Manaus, em defesa de medidas sanitárias para reduzir o contágio de covid-19 na região. Autor de inúmeros alertas e apelos por medidas severas para impedir os colapsos anunciados dos sistemas de saúde e funerário, suas manifestações são impopulares entre aqueles contrários ao fechamento da economia, mesmo diante da aceleração de mortes.
Diante da pressão de empresários e políticos bolsonaristas e da consequente omissão dos governos locais, Orellana defendeu, em alerta divulgado nesta quinta-feira (21), o envio urgente de uma missão de observadores internacionais, por não ser “mais possível confiar nos diferentes níveis de gestão que estão à frente da epidemia”.
No comunicado, com o título “Manaus está perdida e a covid-19 explodiu”, o pesquisador também pede a decretação imediata de lockdown para evitar mais mortes na cidade.
Ele lembra que Manaus revela como é “descabida” a tese da imunidade de rebanho ou os tratamentos preventivos com medicamentos sem comprovação científica oferecidos pelo governo. Devido aos efeitos tardios da atual e tímida campanha de vacinação, “no curto prazo, precisamos de medidas em caráter tempestivo e emergencial”.
Para isso, diz o cientista, é preciso “um severo ‘lockdown’ em Manaus, com ao menos 21 dias de duração, ou veremos esta tragédia se aprofundar ainda mais”. Outra medida, defende, é a fiscalização externa. “Precisamos urgentemente de observadores internacionais independentes ligados à Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CNUDH), pois não é mais possível confiar nos diferentes níveis de gestão que estão à frente da epidemia em Manaus.”
O colapso da pandemia no estado se manifesta agora por meio de imagens e relatos, divulgados no mundo todo, de pacientes que morrem por falta de leitos e insumos básicos como oxigênio hospitalar. O epidemiologista diz que a condução da crise sanitária está “entrando para a história recente das pandemias como uma das mais dramáticas experiências sanitárias e humanitárias já documentadas” num país com amplas condições de atendimento em saúde.
Ainda em dezembro, Orellana havia previsto que, sem medidas mais restritivas, Manaus viveria um novo boom da covid que resultaria no salto do número de óbitos. Agora, apó ter os alertas negados, a cidade vê a tragédia se confirmar.
“Minha previsão, de que o mês de janeiro seria o ‘mês das lamentações e do luto, está mais do que confirmada e, por mais desumano e monstruoso que pareça, em Manaus, capital mundial da covid-19, não há qualquer sinal de ‘lockdown’”, escreveu. “Isto parece ser parte de um projeto que muitos insistem em não enxergar e, neste caso, Manaus é o laboratório a céu aberto, onde todo tipo de negligência e barbaridade é possível, sem punição e qualquer ameaça à hegemonia dos responsáveis.”
Orellana também destaca que as 945 mortes confirmadas, só nos 20 primeiros dias de janeiro, já se aproximam de todos os óbitos somados entre agosto a dezembro, quando 1.308 pessoas morreram por covid. Os dados foram compilados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), o órgão oficial.
Ainda de acordo com informações compiladas pelo cientistas, Manaus tem registrado médio diária de 27 mortes em casa, entre os dias 13 e 19, sufocadas sem assistência médica. As que sobrevivem, ficam com sequelas graves da falta de oxigênio.
As manifestações do governador Wilson Lima (PSC) na imprensa garantem que não há a menor hipótese de lockdown e medidas mais severas para o combate à pandemia no estado.
Em visita a Manaus, também na semana passada, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, falou em “tratamento precoce” — na prática, o uso de medicamentos rejeitados por entidades médicas e científicas contra a covid-19, como a cloroquina. Segundo ele, o ministério “acompanha e apoia” as medidas adotadas pelo Estado, mas as ações estão “a cargo do prefeito e do governador”. “Não estão a cargo do Ministério da Saúde.”
A partir de entrevista a O Estado de São Paulo | Texto em português do Brasil
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