Provocou grande indignação na opinião publicada e nas redes sociais, o teor do despacho do Ministério Público de arquivamento do processo contra Dias Loureiro por burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, não pelo arquivamento em si mas pelo facto de a procuradora que assina o despacho, Cláudia Oliveira Porto, manter as suspeitas que não conseguiu provar.
O caso coincidiu com a decisão do Tribunal da Relação do Porto que manteve cinco anos de prisão para Armando Vara no processo Face Oculta por “tráfico de influências”.
Destaco o artigo de Miguel Sousa Tavares no Expresso deste sábado (disponível para assinantes) que traça, a propósito destes dois casos e de outros de grande mediatismo, um quadro impiedoso e preocupante da justiça portuguesa.
Os dois casos permitem uma análise comparativa apesar de Dias Loureiro não ter chegado a ser acusado pelo Ministério Público, enquanto Armando Vara viu confirmadas as acusações do Ministério Público com pena de cinco anos de prisão. A disparidade de critérios usados pela procuradora do Ministério Público que arquivou o processo Dias Loureiro e os critérios e argumentos dos juízes do Tribunal de Aveiro que condenaram Vara ( e outros arguidos do Face Oculta) é incompreensível para o cidadão comum que espera encontrar nas decisões judiciais argumentos lógicos, coerentes e acessíveis.
A procuradora Cláudia Porto cometeu o erro ou a imprudência ou (dirão outros) a franqueza de incluir no despacho de arquivamento a convicção de que Dias Loureiro é culpado dos crimes de que era suspeito. Diz a procuradora Cláudia Porto que
“a investigação não permitiu atingir um plano de certeza que nos permita a imputação desses factos, face à coerência de depoimentos entre os intervenientes no negócio”.
Isto é, a procuradora não quis levar o suspeito a tribunal porque não tinha provas suficientes. As provas indirectas, as responsabilidades políticas do arguido e as suas convicções sobre a culpabilidade de Dias Loureiro não foram suficientes para uma acusação. Nessas condições, o Ministério Público fez bem em arquivar o processo.
Ao contrário, no caso de Armando Vara o Ministério Público não hesitou em levar Vara a tribunal por indícios e convicções baseados em escutas, “cunhas” e prendas de Natal, considerados tráfico de influências. No despacho de condenação de Vara e dos restantes réus do Face Oculta lê-se que não são necessárias “provas directas”, sendo “igualmente importantes as provas indirectas, indiciárias e por presunções, readquirindo estas especial relevo nas sociedades actuais”. Leiam-se estes excertos:
“(…) no campo da criminalidade de “colarinho branco”, na qual a corrupção e o tráfico de influências pontificam, não é possível, a maior parte das vezes, a prova directa, mormente por testemunhas (…). Por isso, são igualmente importantes as provas indirectas, indiciárias e por presunções, readquirindo estas especial relevo nas sociedades actuais, sob pena de se agravar insuportavelmente o sentimento comunitário de impunidade e de descrença na administração da justiça(…)” (nota 113, pág.588)
O tribunal decidiu ainda salientar quanto a Armando Vara:
“As responsabilidades perante a sociedade de alguém que exerceu e exerce tão relevantes cargos como Armando Vara são inegavelmente superiores ao comum dos cidadãos. (…) Assim, perante o acima e agora exposto, decide-se fixar a pena única em 5 (cinco) anos de prisão.” (pág. 2647-2648 do acórdão)
Trata-se de dois casos cuja disparidade de critérios e de argumentos se revelam opacos para o cidadão comum em nome de quem a justiça se exerce, dado que os argumentos que no caso de Dias Loureiro serviram para arquivar, no caso de Armando Vara serviram para culpar e prender. Merecem, pois, ser analisados, comparados e discutidos.
Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM