Ao decidir que o presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha, tem de acatar o pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer, submetendo-o a apreciação da comissão especial que já está a debater o caso da presidente Dilma Rousseff, o juiz do Supremo Tribunal Federal/STF Marco Aurélio Mello modifica os dados do jogo político num sentido favorável ao governo.
Considerado o homem-sombra por detrás de toda a movimentação oposicionista que visa destituir a presidente, Temer já se posicionava como novo chefe de Estado. Foi ele que escreveu uma carta-aberta a Dilma queixando-se de não ser ouvido; foi dele a iniciativa de fazer desembarcar o PMDB, de que é presidente, da aliança governamental com o PT; foi ele que fez aprovar uma espécie de programa prévio de um eventual novo executivo e por ele têm também passado diferentes articulações com vista a encontrar os nomes-chave de um governo pós-Dilma.
Tudo isso, mantendo uma aparente neutralidade, com escassas aparições públicas, manobrando apenas nos bastidores e tentando conservar a imagem de político acima do intenso jogo sujo que se trava aqui intensamente na praça pública em clima de grande confronto. E ainda por cima – suprema ironia e cereja em cima do bolo – mantendo-se no cargo, com todos os privilégios, influência e capacidade de intervenção que isso implica, apenas à espera que o governo do Brasil lhe caia nos braços.
A decisão tomada hoje pelo juiz do STF põe termo a essa situação – Temer passa a ver o seu nome colocado ao lado do da presidente Dilma Rousseff, pelas mesmas razões que a esta são apontadas. O presidente da Câmara dos Deputados fica obrigado a apresentar o pedido de impeachment de Temer, alvo das mesmas acusações contra Dilma – à comissão que já analisa o pedidode destituição da presidente.
Não é seguro que esta aprove, mas o simples facto de Temer entrar no mesmo barco, muda os dados do jogo, potencialmente em favor do executivo – é um dado complicador, que vai dividir opiniões, trava o processo e poderá levar muita gente que já se inclinaria para afastar Dilma, a pensar duas vezes. Afinal, se ela cair, também cai Temer e isso baralha os planos que já estavam na forja.
A novela brasileira do impeachment não deixa de nos surpreender. Em cada episódio, novos desenvolvimentos, uns mais inesperados que outros, com volte-faces quase diários. A judicialização da política mistura-se com a politização do judiciário e a suspeição de uso político pelas instâncias policiais, num jogo complexo em que o desenlace é uma incógnita até ao fim, mesmo quando às vezes parece que o destino está marcado e tudo já se encontra decidido.
Na realidade, é jogo muito duro, em que denúncias, acusações, revelações e intimações se misturam com apaixonada argumentação política e refinadas subtilezas jurídico-constitucionais, em que assistimos ao vivo ao fazer e refazer do entrosamento entre os diferentes órgãos de poder. Tudo sempre potenciado através dos media, que estão longe de uma atitude neutral, antes se posicionando como intervenientes do jogo político-partidário, ora escondendo, ora ampliando informação, consoante se considere que possa favorecer ou contrariar o governo.
Para quem, como nós, há uma década assiste ao desenrolar deste drama, que agora se aproxima do seu epílogo, o que espanta é como foi possível ao PT governar em meio mediático em geral tão hostil. E ainda agora, apesar das denúncias e dos escândalos em catadupa, conservar uma base de apoio substancial. Embora hoje já bastante reduzida e essencialmente assente nas estruturas beneficiárias do executivo, onde se congregam os crentes mais indefectíveis, essa base parece alimentar-se espantosamente de um eco distante da enorme esperança que um dia encarnou. Parece condenado. Irá renascer?
Desculpe, mas não estamos em condições de apresentar um resumo dos próximos capítulos. Vai ter que seguir de perto o desenrolar dos acontecimentos.