Prisões do cantor e compositor pernambucano ocorreram em 1969 e 1975. “Durante muito tempo, tive vergonha disso – é muito humilhante”, conta o artista.
O cantor e compositor pernambucano Geraldo Azevedo relatou, em entrevista ao jornal O Globo, detalhes das duas vezes em que foi preso e torturado durante a ditadura militar (1964-1985). Segundo o artista, as prisões ocorreram em 1969 e 1975. Na primeira vez, a repressão o perseguiu porque Azevedo havia aderido a um protesto contra a censura imposta pelo general-presidente Costa e Silva.
“Eu convivia com muitas pessoas. Havia umas reuniões no Teatro Glaucio Gil em que ia muita gente – o Glauber Rocha, o Caetano (Veloso)… E me pediram para fazer um abaixo-assinado contra a censura”, contou o cantor. “Passei 40 dias preso na Ilha das Flores – 20 numa solitária. Fui muito torturado, tomei muita porrada.”
Azevedo conta que, em meio às sessões de tortura, negava ter envolvimento com o episódio e que “só fazia música e desenho”. Numa ocasião, um dos torturadores lhe entregou um violão e lhe pediu para tocar. “Toquei e o torturador se sensibilizou”, diz ele. “Não me torturaram mais. Fui solto por causa do violão.”
A aproximação com os algozes foi tanta que o cantor acabou propondo um acordo e conseguiu sair da prisão. “Queriam que eu tocasse na festa do comandante, e eu disse que só tocaria se fosse livre. Quando me soltaram, tive que tocar na festa dos oficiais.”
Em 1975, já sob o governo Ernesto Geisel, o cantor voltou a ser preso. A acusação: ser “simpatizante de pessoas que traziam informações da Guerrilha do Araguaia”. Azevedo crê que foi denunciado por um ex-militante da Ação Popular (AP) chamado Zé Milton, que era amigo da primeira esposa do artista. “Ele foi preso e uma das estratégias era denunciar quem não tinha muita importância. Me entregaram.”
Conforme seu depoimento ao Globo, Geraldo Azevedo foi confundido com um militante de nome Valério. Após permanecer preso por quatro dias preso no quartel da Barão de Mesquita, ele foi transferido para o Dops. “A gente ficava dentro de um frigorífico, tudo coberto de gelo, uma sirene tocando sem parar e um breu absoluto”, rememora. “Sofri muito para provar que não era (um militante). Até que me safei. Durante muito tempo, tive vergonha disso – é muito humilhante.”
Para provar que não era “um tal de Valério”, o cantor foi obrigado a cantar para os torturadores a música Caravanas, de sua autoria. A canção compunha a trilha da novela mais popular da época, Gabriela Cravo e Canela, da TV Globo. “Na hora da novela, me botavam para cantar. Ficava encapuzado, nu – e eles em volta, (dizendo) ‘canta, canta’”, denuncia o Azevedo. “Aí começavam a bater, e eu cantava, né? Chegava um mais atrevido e dizia: ‘Agora, canta e dança’. Eu ficava lá rodando feito um otário.”
Além das agressões sofridas, Geraldo Azevedo se lembra dos rituais e do sadismo dos torturadores. “Os caras cheiravam cocaína pra bater na gente. Enfiavam estiletes embaixo da minha unha.” Graças a uma ousadia do cantor, a situação mudou. “Um dia, simulei um desmaio durante um interrogatório com choque elétrico. Chamaram um médico e pararam.”
por André Cintra, Jornalista, escritor e membro da equipe do “Portal Vermelho”. É secretário de Comunicação do PCdoB São Paulo e assessor de entidades sindicais | Texto original em português do Brasil
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