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Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

Do samba à lama

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.
carnaval_candidoportinari_1960
Obra do Cândido Portinari, “Carnaval”, 1960

Ela veio à baila porque o STF analisou, em sessão extraordinária, de que modo os deputados deverão votar o impeachment de Dilma Rousseff no próximo domingo (17).  Prevaleceu o rito proposto pelo Presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha.

Mas não quero me deter aqui na ação, a meu ver justificada, proposta pelo PCdoB. Importante é demonstrar como a luta pela democracia no Brasil está sendo feroz, o que considero louvável.

O Rio de Janeiro, antiga capital do país, já decretou um carnaval fora de hora, enviando blocos carnavalescos às ruas para “sambarem” contra o impeachment. O samba está fazendo 100 anos em 2016 e é, por excelência, a música da resistência, nasceu entre escravos africanos, cresceu para se tornar um símbolo pátrio ao qual a elite teve que se curvar.

Mas não há samba que cale o coral desafinado de deputados e réus, eleitos pelos nossos votos, dizendo o que querem em entrevistas para grandes veículos. Apesar de a maioria deles reconhecer a honestidade da presidente, votará pelo impeachment.

Por quê? Paulo Maluf, deputado condenado na França por lavagem de dinheiro, acaba de dizer, em entrevista à BBC, que votará porque essa é a vontade do povo.

 

O povo

“A voz do povo é a voz de Deus” é um velho e esfarrapado chavão dos políticos maquiavélicos (aqueles adeptos da filosofia de que os fins justificam os meios). Mas, mesmo que tomássemos essa premissa manca como verdadeira, há uma questão que se impõe anteriormente: qual é a vontade do povo? O que diz a voz do brasileiro?

Digo que a maioria ecoa a grande imprensa: “Lula é o maior ladrão da história e Dilma é a sua cúmplice, eles arrasaram a economia. Não há partido mais corrupto do que o PT.”

Ainda que as palavras sejam essas, ou similares, acho que a vontade maior é “por favor, governem e resolvam a bandidagem e a crise econômica.”

Ou seja, a maioria dos brasileiros deseja o mesmo, só que nem todos sabem que o impeachment trará o oposto: ladrões no governo e recessão patrocinada pelo empresariado.

Ciro Gomes, ex-governador do Ceará, declara publicamente que Lula (Luís Inácio Lula da Silva) é oportunista, que “o PT se elegeu a partir de uma farsa de marketing”, no entanto, Ciro sabe que as acusações que pesam sobre o Lula não se comparam a atos corruptos praticados por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Diz mais: o seu partido, PDT, votará contra o impeachment, combaterá a ilegalidade do novo governo (caso o impeachment se concretize) e ele próprio participaria de um “sequestro”, ou seja, ajudaria o Lula a se refugiar em uma embaixada no caso de os golpistas resolverem prendê-lo.

Ciro Gomes talvez seja candidato ao governo em 2018, assim como Lula. A briga será boa. Espero que até lá a democracia seja mantida e a ética seja retomada nos embates eleitorais. Ainda há tempo. Todavia, se o povo continuar a repetir a cantilena da imprensa golpista e o impeachment se concretizar, terei que reconhecer: a responsabilidade é da Dilma, que não democratizou os meios de comunicação.

Esse ato golpista está se tornando realidade graças à espetacularização na mídia, foi isso o que aumentou o número dos seus adeptos.  É isso o que está tornando o brasileiro cada vez mais “público”,  e não ator, no cenário político.

É a lama, é o samba triste de volta ao pelourinho.

Nota: A autora escreve em português do Brasil

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