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Terça-feira, Novembro 5, 2024

Dois trêfegos premiaram Temer

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

A falsidade e arrogância de Joesley Batista são espantosas, embora presumíveis. Elas percorrem o fragmento divulgado pela revista Veja, da conversa de quatro horas entre ele e seu operador Ricardo Saud, que chama às vezes de Ricardinho. É uma conversa entre dois trêfegos que, embora planejando alvejar até mesmo a suprema corte, conseguem produzir um auto-grampo e entregá-lo à Procuradoria Geral da República. Com tanto dinheiro, podiam ter contratado um operador de áudio. Por trêfegos, devem perder os benefícios da delação e acabar presos, e conseguiram premiar Temer com argumentos para escapar da nova denúncia a ser apresentada pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, agora atirado às feras.

Nenhum vício do acordo de delação suprimirá a gravidades dos fatos já levantados contra o ocupante da Presidência. Se a denúncia de corrupção passiva foi rejeitada pela Câmara, Temer deve responder por obstrução da Justiça, por ter incentivado Joesley a prosseguir com a compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro e o aliciamento de juízes e procuradores. Deve responder por formação de organização criminosa, apontado que foi, não só por Joesley, como chefe e líder do chamado PMDB da Câmara. Nessa organização, tinha papel destacado o ex-ministro Geddel Vieira Lima, de quem foram encontradas hoje, pela Polícia Federal, malas de dinheiro ocultas num imóvel. Mas o fato é que, com a licitude do acordo de delação questionada, Temer e os seus ganharam munição e argumentos para enterrar a segunda denúncia, que havia adquirido chances de acolhimento com a crise em sua base. Seus aliados já cobram, como fez hoje o presidente interino (e da Câmara), Rodrigo Maia, uma rápida decisão de Janot sobre o destino da delação, embora ele precise aguardar a conclusão das investigações. O que Janot precisa apresentar logo é a segunda denúncia contra Temer, fazendo prevalecer a validade das provas, tal como afirmou ontem. Depois, será com o STF enviá-la ou não à Câmara.

Na conversa entre os dois trêfegos há falas machistas e vulgares, muito deboche, coisas que não vêm ao caso. Problema pessoal de Joesley. Ele declara supor-se capaz de ler almas e mentes mas, no acidente com um gravador, revelou a sua própria. Joesley é o que sempre foi, e não aquele que aparece na entrevista à revista Veja desta semana, um convertido às boas práticas, que um dia descobriu ter sido arrastado para o crime pelos políticos “bandidos”. “Descobri que era um criminoso”. Ou ainda: “Nós somos empresários e os empresários estão subordinados ao Estado. Se os mandatários negociam com você daquela forma, você acaba achando que opera dentro de um padrão de normalidade. A gente vai ficando anestesiado”.

Nenhum político, entretanto, sugeriu que ele tentasse obter munição contra os ministros do STF, na linha de sua metáfora: a Odebrecht moeu o Legislativo, nós vamos moer o Judiciário. E achou que obteria a munição gravando o ex-ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Cardozo, que deve ter percebido a trampa, disse apenas obviedades sobre os ministros do Supremo (dos quais só obteve omissão, no curso do golpe contra Dilma) e não aceitou prestar serviços recebendo “por fora”. Ninguém sugeriu que omitisse informações na negociação do acordo, como o pagamento de R$ 500 mil ao deputado Ciro Nogueira. Em certo ponto, o cinismo é rombudo. “O sistema era um, nois (sic) era um. O sistema mudou, a gente mudou de lado. Somos contra tudo isso”.

No mais, são fartas as indicações de que receberam mesmo orientação do ex-procurador Marcello Miller mas, até onde pude ouvir, nada disseram sobre pagamentos e vantagens indevidas para o ex-auxiliar de Janot. Este também está perdido. Ajudava o delator antes mesmo de desligar-se do Ministério Público para tomar posse como sócio de um escritório que trabalhava para a JBS.

Dois trêfegos, atrapalhados com um gravador, tentando enganar a PGR, fulminar o Supremo e lacrar o caixão da política nacional, não apenas se danaram como parecem ter garantido a sobrevida de Temer até o final de seu mandato, com todo o custo que isso representa para o Brasil e para os brasileiros.

As conversas já vazadas obrigam qualquer ouvinte a uma constatação. Se a elite que temos é feita de Joesleys, estamos fritos.

A autora escreve em Português do Brasil

Fonte: Brasil247

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