Os questionamentos éticos sobre uso de armas mortíferas para áreas atacadas e inócuas para quem ataca, já geram campanhas de banimento, como já houve com armas nucleares e minas terrestres.
por Julian Estévez Sanz, em The Conversation | Tradução de Cezar Xavier
As ameaças mais eficazes são aquelas que passam despercebidas. Para o qual ninguém olha, ou do qual ninguém está ciente.
Conflitos militares como os de Gaza, Líbia ou Síria são manchetes comuns. Outros não são assim. Mas pouco se diz que, em quase todos esses confrontos, drones (também chamados de UAV, sigla em inglês que se refere a “veículo aéreo não tripulado”) estão sendo usados. Sua influência é tamanha que estão mudando as regras da guerra.
A ideia de ataques aéreos é um sonho militar de séculos, que remonta às pipas de fogo habilmente empregadas pela dinastia Han no século 2 aC Depois disso, ficou adormecido por quase 2.000 anos, até que Benjamin Franklin trouxe o conceito de volta à vida no final do século 18, e ele compartilhou por carta com um casal de irmãos com quem escreveu: os Montgolfiers.
Desde então, o uso aéreo de balões de ar quente e a posterior aviação foram vistos como uma grande vantagem em qualquer exército. Mas a ideia dos drones, como os conhecemos hoje, ainda teve mais algumas alegrias e decepções.
Especificamente, temos que voltar no tempo à Guerra do Vietnã para conhecer um dos principais impulsos. O conflito deu origem ao programa de vigilância de drones mais sofisticado da história da aviação. Durante a década de 1960, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos começou a automatizar o campo de batalha com sensores remotos e supercomputadores para ouvir os movimentos do inimigo ou operar drones Firebee nos céus vietnamitas. Depois de muitos debates internos dentro da liderança militar dos Estados Unidos, o uso desse tipo de arma nunca foi abandonado.
Posteriormente, os drones militares desempenharam um papel de liderança na luta contra o terrorismo após o 11 de setembro. Nele ficava evidente sua utilidade para a vigilância permanente de vastos territórios, o monitoramento silencioso dos objetivos e seu assassinato. Eles se mostraram tão eficazes que nos últimos anos seu uso se intensificou não apenas no combate com células terroristas, mas também contra exércitos regulares. E, como mostra disso, dois exemplos:
O primeiro deles é um velho conhecido do noticiário internacional. É sobre a guerra na Síria. Nele, no início de 2020, quando a Turquia implantou seus UAVs para bombardear as defesas de Al Assad, uma virada ocorreu no conflito contra este último. Os navios otomanos esmagaram as defesas sírias.
No final do mesmo ano, em Nagorno Karabakh, uma região estratégica do Cáucaso, ocorreu a guerra entre a Armênia e o Azerbaijão. A república do Azerbaijão não é reconhecida como uma grande potência militar. No entanto, nos últimos anos forneceu vários drones militares de fabricação israelense e, principalmente, turca. Seu impacto nas defesas obsoletas e estagnadas da Armênia foi devastador.
Com uma nova técnica chamada vadiagem, a Armênia não teve escolha. Essa técnica consiste no uso de pequenos UAVs em enxames, que são lançados como kamikazes contra alvos inimigos. Como pode ser visto, a Turquia está emergindo como uma das maiores potências no uso dessas máquinas de guerra.
Novos dilemas éticos
O uso de drones levanta muitas questões éticas e muda totalmente as regras da guerra. Uma nação pode atacar outra a milhares de quilômetros de distância. Os operadores dessas armas são soldados localizados em uma base militar em seu próprio território, na qual, em um ambiente que imita o de um videogame, eles decidem sobre quais inimigos e objetivos devem ser mortos.
Isso viola uma das regras mais básicas da ética da guerra: se um soldado mata, presume-se que ele corre o risco de ter o mesmo destino. Mas com essas aeronaves, o conflito se torna assimétrico, e centenas de vítimas são estacadas de um lado e, do outro, nenhum soldado está em risco. Talvez agora se compreenda por que os líderes políticos gostam tanto de drones. A justificativa para a mobilização de tropas e a perda de vidas humanas de seus cidadãos é inútil. Não há vítimas, nem escândalos na mídia.
Outra regra violada é a capacidade de invadir silenciosamente os territórios inimigos. Sob o halo das missões de espionagem, os governos não precisam justificar nada, e o país atacado fica sabendo quando é tarde demais.
Mas o desenvolvimento tecnológico destas naves não para por aqui, mas o objetivo é dar-lhes uma autonomia que lhes permita lutar no ar, ou bombardear automaticamente os inimigos. Para isso, grandes empresas estão projetando algoritmos de navegação autônoma, interpretação de imagens e até simulações do efeito de bombardeio em um ponto.
O que aconteceria se um daqueles pistoleiros automáticos errasse o alvo ou confundisse crianças com terroristas?
Talvez alguém pense que isso pode acontecer uma ou duas vezes. Mas não. Já existem mais de 2.000 vítimas civis de drones dos Estados Unidos.
Quando a aviação nasceu, dizia-se que as guerras não existiriam mais, pois o poder que demonstravam prenunciava que qualquer nação que tivesse aviões em suas fileiras esmagaria qualquer inimigo. Hoje, vemos que é normal proibir armas nucleares ou minas impessoais. Agora, campanhas como Ban Killer Drones estão tentando banir drones militares.
por Julian Estévez Sanz, Professor e pesquisador em Robótica e Inteligência Artificial, Universidade do País Basco / Euskal Herriko Unibertsitatea | Texto original em português do Brasil, com tradução de Cezar Xavier
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