Poema de João de Almeida Santos
para um Rosto (inédito) de Filipa Antunes
DUAS HORAS…
Olhei-te nos olhos!
Eram negros,
Intensos
E tão profundos!
Toquei teus cabelos
Com o olhar,
Caminhei a teu lado
Nesse jardim,
Senti o teu corpo
Tão perto de mim
A respirar
O acre perfume
Dessa ramagem
Do vasto jasmim…
…………………
Inebriou-me
Esse intenso
Aroma
E eu enredei-te
Num tão doce enleio
Que não tinha fim…
Brilharam
P’ra mim,
Tão docemente,
Duas horas inteiras
Esses teus olhos…
………………….
E neles me perdi!
Estive no céu
Ao lado de deus
E lá vi dois sóis
Que não eram dele
(Uma luz intensa)
Porque eram teus!
Mas o tempo
Correu
Depressa
Demais…
E é sempre assim!
Todos os dias
Se tornam iguais
Quando tu partes
E, em nostalgia,
Eu fico no cais…
Voltei a olhar-te
Três horas seguidas…
Parecia verdade
Mas era ilusão
Porque partiste
Deixando-me só
E o que sobrou…
……………
Foi solidão!
Subiu a tristeza
A saudade irrompeu
Colou-se-me
Ao rosto…
……………..
E como doeu!
Se eu não te vejo
Sinto
Falta de ti,
Mas se te encontro
Logo te perco
Porque o tempo
Voa
E logo te leva
P’ra longe dali!
Ter-te demais
Aumenta a saudade
E quando te vais
São negras
As nuvens
Da nossa cidade!
Ainda que triste
Eu sou feliz
E com estas mãos
Te vou escrevendo
O que quero dizer…
………………………
Mas este meu tempo
Volta a correr
E cresce a vontade
De logo te ver
Mesmo que saiba
Que é nesse instante
Que te vou perder…
Tenho saudades,
Saudades de ti
Desse virar
Da nossa esquina,
Na mesma rua
Onde te vi,
Dessa janela
Donde espreitamos
O que do mundo
Sobra p´ra nós…
Eu já nem sei
Que hei-de fazer,
Ter-te demais
É puro prazer…
…………………….
Mas quando te vais
Fico a morrer!
Nem sei que
Te diga,
Ah!, meu amor,
Quando me deixas
Já nem sinto dor
Tão grande a tristeza
De já não te ter
Pois tu partiste
Mesmo sem querer!
Olhei-te nos olhos,
Sim, meu amor…
Ilustração: ROSTO (inédito) de Filipa Antunes (Desenho a tinta-da-china. Outubro de 2017)