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Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

E agora, Brasil?

Carlos Drummond de Andrade | E agora Brasil?

A célebre auto-reflexão de Drummond em forma de poema talvez se aplique hoje, mais do que nunca, ao próprio país.

Terminado o processo de impeachment, que manteve este Estado-continente no limbo durante nove meses, ao longo dos quais tudo se agravou, o Brasil vive agora uma espécie de stress pós-traumático, em que se mesclam as paixões políticas de cada um dos lados em confronto.

À direita, respira-se de alívio, esperando que seja finalmente possível “virar a página” e começar a enfrentar os graves problemas deixados pelo executivo de Dilma Rousseff – inflação acima da meta, juros estratosféricos, desemprego em alta…

Esse é o sentimento dos opositores do PT de sempre – as forças conservadoras e neoliberais, agora, de novo, no poder – e também de muitos daqueles que, embora mais ao centro, começaram por apoiar Lula e depois se desiludiram com o aparelhamento do Estado e sobretudo com os escândalos de corrupção.

Para a grande maioria dessa vertente política, o petismo, mesmo na sua versão mais soft e em aliança espúria com parte da direita, sempre foi um estranho no ninho e por isso, o seu afastamento do governo ao cabo de 13 anos, significa pura e simplesmente um regresso à normalidade, ao business as usual.

À esquerda, pelo contrário, e enquanto não chegam as avaliações autocríticas, há um gosto amargo a traição, misturado com um sentimento de injustiça pelo afastamento da primeira mulher a chegar à chefia do Estado por parte de um Congresso que, embora invocando para a afastar os mais nobres princípios e a defesa do mais estrito rigor financeiro, está ele próprio – com pelo menos um terço dos seus membros implicados em processos – longe de ser um exemplo de acerto e probidade.

O centro, como sempre divide-se, embora esteja hoje maioritariamente com a direita.

Se a sala de espera do meu dentista, aqui em Brasília, é em alguma medida representativa do estado da opinião pública, o diálogo a que aí assistimos há dias é bem significativo. À exceção de mim próprio e de uma senhora que permaneceu em silêncio do princípio ao fim, todos se pronunciavam contra o PT, considerando que nunca tinha havido tanto roubo e desgoverno… Uma ideia que vem dos comentadores da direita, não está necessariamente comprovada, mas fez o seu caminho, acabando por transformar-se em lugar comum genericamente aceite. O sentimento palpável dos comentários era de verdadeiro ódio político.

Classes médias voltam costas ao PT

Na sequência do mensalão, em 2005, ainda no primeiro governo Lula, e enfrentando sempre uma imprensa hostil, o PT foi progressivamente perdendo o apoio das classes médias, que tinha sido decisivo para a sua chegada ao poder. O petismo – recorde-se – nasceu com as grandes greves do proletariado de São Paulo, nos anos 80, mas só o apoio dos sectores mais progressistas da Igreja Católica e a defesa intransigente de princípios morais, a par da aceitação das regras de mercado – expressa na célebre Carta aos Brasileiros , lhe conferiram legitimidade para governar.

Com o tempo e o envolvimento em escândalos, o PT foi perdendo cada vez mais essa legitimidade moral inicial. E o desencanto trouxe para as ruas, já em 2013, uma grande parcela das classes médias, sobretudo das camadas mais jovens, insatisfeitas com o atraso do país – apesar dos avanços sociais da era petista – e sobretudo indignados com a corrupção.

Foi esse mesmo sentimento de desencanto que se avolumou em 2015, permitindo aos sectores mais conservadores, agora com o apoio de um partido de centro-esquerda como o PSDB, que expressa os interesses e a psicologia de boa parte das classes médias, mobilizarem em seu favor algumas das mais expressivas manifestações de rua jamais realizadas no Brasil. A partir daí, o governo de Dilma nunca mais recuperou.

Amarga ironia

Mas se a indignação contra a corrupção foi a razão maior que afastou muita gente do PT, todas essas pessoas não podem agora deixar de se interrogar se o resultado obtido era de facto aquilo que queriam.

Afinal, a ascensão de Michel Temer à presidência traz para a chefia do Estado um partido – o PMDB – que há muito tempo é considerado “uma das forças mais fisiológicas da política brasileira”. Agrupamento de caciques e interesses locais diversos, o PMDM não tem propriamente ideologia, limitando-se a conservar e negociar posições no aparelho de Estado ao sabor das conveniências.

O afastamento de Dilma, mais do que uma viragem decisiva para abrir caminhos de futuro, parece assim ter sido o resultado de uma convergência momentânea de forças heterogéneas cuja consistência ainda está por provar.

Nessa convergência há um pouco de tudo – desde o velho e fisiológico PMDB, aos liberais, passando pelo centrista PSDB, todos fazendo os seus cálculos com os olhos postos nas eleições de 2018. Como nas intrigas florentinas, em cada manga pode haver um punhal… ou, mais modernamente, um gravador…

Conseguirá Temer superar estas contradições? O PT promete oposição dura. Mas, mais do que o PT, desmoralizado e em crise, com o próprio Lula ameaçado pela Lava Jato, as principais dificuldades para o novo presidente podem vir da sua própria base política. Terá ele a capacidade de diálogo e o jogo de cintura que Dilma não teve? Como garantir, nestas condições, que haverá espaço para as reformas que se impõem, a começar pela reforma da Previdência e a terminar na reforma política?

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, Brasil?

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