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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

E agora Marcelo?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Finalmente concluída a contagem dos votos para a Assembleia da República seria o momento para se saudar a significativa redução da abstenção (a taxa de abstenção foi de 33,8%, o valor mais baixo desde 1995) e começarem-se a equacionar as soluções governativas resultantes da nova composição parlamentar. Mas não foi nada disso a que se assistiu e desde a noite de 10 de Março que não têm faltado as costumeiras opiniões a formulação de cenários, cuja cereja no topo do bolo foi a pronta decisão do Presidente da República de dar imediato início à audição dos partidos com vista à indigitação do próximo primeiro-ministro.

Costuma-se dizer que a ânsia não é boa conselheira (algo que há algum tempo parece completamente esquecido para os lados de Belém) e pior ainda quando os votos que faltavam apurar excediam a diferença entre os dois partidos mais votados. É que nestas últimas eleições aconteceu um cenário nunca visto entre nós e a diferença entre as duas listas mais votadas (AD e PS) resumia-se a pouco mais de 50 mil votos quando faltavam apurar os resultados dos dois círculos eleitorais da emigração (Europa e Fora da Europa) onde, em 2022, tinham votado cerca de 175 mil eleitores.

Claro que isto são hipóteses meramente matemáticas, mas a opção presidencial foi claramente reveladora dos piores padrões de comportamento a que tínhamos assistido durante a passagem de Cavaco Silva pela função. Como se não bastasse a opção profundamente controversa e de duvidoso interesse nacional que foi a da dissolução da Assembleia da República depois da demissão do Governo do PS na sequência de suspeitas de corrupção envolvendo figuras muito próximas do primeiro-ministro, a que se seguiu a opção inversa perante idêntica ocorrência no governo regional da Madeira, liderado pelo PSD, assistimos, no rescaldo de um resultado provisório tangencial, ao imediato despoletar do processo para a formação do novo governo.

A comunicação social fez-se particularmente eco do estrondoso resultado dos populistas do Chega e pouco ou nada estranhou nas contradições e na pressa presidencial. Desenhou cenários de maiorias variáveis (com ou sem a IL e o Chega), espalhou o ruído e também ela começou a lavar os cestos antes de terminada a vindima. Enquanto isso, a vedeta da noite eleitoral, André Ventura, forte no milhão de votos reunidos, desdobrou-se em mensagens e indirectas que invertessem a declarada oposição de Luís Montenegro e levassem rapidamente os populistas ao poder.

E, claro, que não é só no Chega que se anseia por isso; face aos magros resultados – nunca a AD teve um resultado tão fraco como este, nem uma diferença tão pequena (0,9%) para o PS – no próprio PSD já se apela claramente à formação de uma maioria sólida com o Chega. E esta é uma questão bem mais importante que possa parecer.

A generalidade dos analistas e dos comentadores mantém a ideia da necessidade do afastamento dos populistas do poder, como se esta fosse uma situação inédita, que não é. Basta lembrar que o PSD foi criado em 1974 como PPD (Partido Popular Democrático), que até o CDS (com Manuel Monteiro e Paulo Portas) acrescentou o PP ao seu nome original, depois do PPD ter passado a PSD, assumindo-se como uma opção de refúgio para as diversas franjas e camadas da direita nacional e onde a mudança de nome (de PPD para PSD) não representou mais que uma tentativa de aliciamento do centro indeciso onde sempre campeou o PS, este sim o verdadeiro representante da social democracia nacional.

Perante este enquadramento e os resultados finais das eleições de 10 de Março, é expectável que a primeira opção de Montenegro para formar governo seja uma solução minoritária (ele e o Presidente da República quererão manter até onde for possível a farsa da “cerca sanitária” aos populistas) que durará tanto quanto o PS quiser (ou puder) manter o “déjà vu” do célebre “onde está a pressa” de António José Seguro.

Esta opção deixará André Ventura com grande liberdade de movimentos para explorar todas as contradições e as fragilidades de um governo fraco e vulnerável aos pecadilhos que rapidamente desgastaram a grande maioria absoluta que o PS alcançou em 2022 – os vários milhares de milhões de euros das verbas do PRR que ainda aguardam distribuição.

Montenegro sabê-lo-á (e Marcelo melhor que ele), mas esse é o preço a pagar aos poderes económico-financeiros que ainda os apoiam… até pressentirem que estarão melhor servidos pelo Chega, ou por qualquer outra das formações de igual pendor e tendência que se vão perfilando no horizonte político.

Mesmo que Montenegro (com o beneplácito envergonhado do Presidente da República) recue e acabe por abrir as portas do governo ao Chega e à IL (aceite aquele não deverá haver forma de excluir este, apesar do manifesto incómodo do CDS), o novo cenário político – onde a estratégia dos populistas será sempre ditada por razões conjunturais e de benefício próprio e rápido – e social – a pronta aceitação das reivindicações de professores, polícias, profissionais de saúde e oficiais de justiça poderá ajudar a arrefecer um ambiente onde a CGTP carregará a fundo no acelerador de greves e manifestações – deverá ser da maior instabilidade (até porque facilitará a aprovação de um orçamento rectificativo que mais facilmente revelará os custos da opção por políticas neoliberais dos tempos de Passos Coelho e Paulo Portas), porque esse é o verdadeiro ambiente para o crescimento dos populismos, revelando assim quanto de embuste e falácia têm tido as convictas afirmações presidenciais de defesa da estabilidade e da sua importância para o mundo dos negócios e do crescimento económico, tanto mais evidente que perante os resultados eleitorais não se verificou qualquer convulsão bolsista.

Fazendo jus à sua reconhecida fama de intriguista e conspirador palaciano, o presidente Marcelo trocou as simpáticas vestes dos afagos e afectos pelas mais prosaicas e populares de vulgar comentador e agarrou avidamente a primeira oportunidade para convocar umas eleições que levassem ao poder o seu PSD (ou será PPD?); com isto esperaria ficar para a História como Aquele que venceu sozinho uma maioria parlamentar, mas o resultado deverá ser o de ficar recordado como o aprendiz de feiticeiro que abriu a caixa de Pandora do populismo em Portugal. Por tudo isto, mais que se justifica a questão «E agora Marcelo?»

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