Caro António Costa, depois do monumental tiro no pé que foi esqueceres-te da tua máxima “À justiça o que é da justiça, à política o que é da política” – que geriste de forma exemplar desde 2014 -, tendo admitido a hipótese de Sócrates ser culpado dos crimes de que é acusado devendo, nesse caso, ser condenado – o que é uma verdade de La Palisse -, nesse dia a Direita abriu o champanhe e rejubilou. Julgavas tu que te safavas e que os ias calar. Nada mais errado. Nunca julguei que fosses tão canhestro na gestão da agenda política.
A direita recebeu de bandeja o argumento que lhe faltava para usar todos os incidentes “mediático-políticos” do passado para te atacar e ao teu Governo. No momento em que admites que Sócrates pode ser culpado, seja lá do que for – já que nada está provado no plano criminal -, estás a assumir que, vários dos teus ministros, tu próprio, no mínimo, pactuaram com as falhas de Sócrates e com a sua alegada venalidade. Foi esse o grande trunfo que deste à Direita.
E eles não tardaram em corresponder à oferta que lhes foi dada de mão beijada. Na Assembleia da República o Negrão tentou encostar-te às cordas. A SIC mandou vir a Moura Guedes para desfiar o rosário das “malfeitorias” do tempo de Sócrates e pede investigação do MP ao Pinto Monteiro, Procurador Geral da República, à época. A Sábado avança que três dos ministros de Sócrates vão ser constituídos arguidos, devido a hipotética danosa negociação das PPP rodoviárias. O Pinho recebia do BES uma mesada opípara. Hoje a SIC ataca de novo, desenterrando a velharia da licenciatura de Sócrates. E, provavelmente, a procissão ainda vai no adro e haverá ainda mais episódios do mesmo folhetim.
No momento em que assumiste que Sócrates pode ser culpado, ficaste impedido de vir defender o PS destes ataques concertados que lhe estão a ser feitos. Tens que engolir em seco, e não vejo como podes minimizar os danos, mas só a ti próprio e ao teu séquito mais próximo podes assacar as culpas do que está a passar-se. Pelo que, o PS que não se queixe. Como bem disse e avisou Manuel Alegre: “Abriu-se a caixa de Pandora”.
É que, deste à Direita o trunfo da “corrupção por osmose”. Ou seja, como admitiste como plausível que Sócrates tenha sido corrupto, deste à Direita o trunfo de poder vir a dizer que todos, ou uma parte, dos que o cercavam também o seriam, logo uma fracção significativa do teu actual Governo. Dirás que este argumento é totalitário, não colhe na opinião pública, e que se virará contra quem o usa.
Eu não estaria tão certo. A campanha de intoxicação está a rolar, a comunicação social, em conluio íntimo com a justiça, está a roer-te os calcanhares e a desenterrar do baú dos trapos todas as pontas soltas, intrigas, e histórias mais ou menos mal contadas do tempo dos governos de Sócrates. É a insídia servida diariamente em colheres de xarope e, pela cara que fizeste na Assembleia da República, no debate quinzenal, quando o Negrão te confrontou, o xarope deve ter um sabor mesmo amargo, um efeito indigesto.
E, se foi por um tacticismo simplista que agiste da forma que agiste, querendo separar o PS do mais leve indício de corrupção – almejando uma gloriosa maioria absoluta nas próximas eleições, e descartando a Geringonça para canto -, está hoje claro que se virou o feitiço contra o feiticeiro.
Até porque não está provado que, eleitoralmente, os portugueses punam de forma incisiva aqueles cujo tom de pele tenha um odor a venalidade, como bem prova a última eleição de Isaltino Morais para presidir à Câmara de Oeiras, eleito e levado em ombros.
Se calhar os portugueses mais depressa condenam aqueles cujo carácter revela que, assustados e – pior ainda -, de forma não frontal, deixam cair os amigos e companheiros, porque sentem e intuem que estes estão na mó de baixo, sendo por isso tidos como companhia indesejável.
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