“As mentiras políticas precisam ser combatidas todos os dias, de modo taxativo, com todas as letras. Um país não pode fazer vista grossa a mentiras deslavadas de seu governante. Algum dia ele vai mentir ao Congresso, e aí veremos se serão capazes de processá-lo por crime de responsabilidade”
Mitomania, mentira patológica ou pseudologia são nomes de que a psiquiatria se vale para definir a doença incurável de Jair Bolsonaro, a compulsão por dizer mentiras e atacar a verdade. Há mitômanos que inventam histórias mirabolantes mas inofensivas, a não ser à própria reputação. Mas Bolsonaro mente seletiva e politicamente, para defender suas decisões e posições, atacando a verdade, a História e todos aqueles que odeia. O Brasil tem sido condescendente demais para com suas pseudologias. Precisa começar a dizer, a cada ocorrência, que o presidente mente. E isso vale para a mídia, para as instituições democráticas e para cada cidadão.
Após o início da crise EUA-Irão, Bolsonaro mentiu três vezes publicamente, duas na live que o mostrou, em cena de servilismo explícito, assistindo contrito o pronuciamento de seu líder, Donald Trump, após o contra-ataque iraniano a bases americanas no Iraque.
Do presidente de Cuba, Diaz-Canel, levou uma enquadrada em regra. Para justificar seu apoio ao ataque de Trump, invocou o combate ao terrorismo, dizendo que havia “muitos terroristas” entre os médicos cubanos. “Assim como os cubanos médicos, entre aspas, saíram antes de eu assumir. Sabiam que eu ia pegar os caras”.
Mentira dupla. Cuba retirou seus médicos porque Bolsonaro já prometia romper o acordo mediado pela OPAS, desqualificando e insultando os oito mil médicos cubanos que atuavam no Brasil. Nunca, nos governos Dilma e Temer, houve qualquer indício de atuação política, muito menos terrorista, de qualquer um deles. Ao enquadrar Bolsonaro, o presidente cubano lembrou que o feito deles foi ter atendido a 113.359.000 pacientes em mais de 3.600 municípios onde antes faltavam médicos, dando cobertura permanente a 60 milhões de brasileiros. Mais uma vez Bolsonaro apenas ecoou as políticas da Casa Branca contra Cuba. Foi também para agradar Trump que o Brasil, pela primeira vez, aliou-se aos Estados Unidos e a Israel, na ONU, votando contra a moção que todos os anos condena o embargo econômico-comercial imposto a Cuba. O Brasil honesto deve desculpas aos médicos que tão bem nos serviram.
Mas faltou quem dissesse, aqui dentro, em alto e bom som, que Bolsonaro disse uma mentira. A mídia precisa parar com eufemismos gentis para com ele, dizendo apenas que faltam evidências ou provas para suas afirmações. Precisa dizer: “o presidente mentiu”. Aliás, mentiu e omitiu, neste caso, porque leu artigo da Constituição que prevê compromisso do Brasil com o combate ao terrorismo, deixando de ler o resto: e ao racismo. Mas isso não importa, muito pelo contrário.
Mentiu Bolsonaro também, na mesma live, ao dizer que Lula esteve no Irão, quando era presidente, apoiando o enriquecimento de urânio em mais de 20%, condição para a construção de armas atômicas e nucleares. Lula o desmentiu taxativamente, depois de chama-lo de “lambe-botas”. Lembrou que uma simples consulta ao Google informaria que ele, juntamente com o chanceler Celso Amorim, e com o governo turco, negociaram um acordo que acabou não vingando por falta de aceitação americana, mas que depois se traduziu no acordo firmado com o Irão por Barack Obama e governantes europeus, em termos muito parecidos. Também neste caso, faltaram outras vozes a dizer: “o presidente mentiu”.
Bolsonaro mente e seus serviçais replicam a mentira, o que é pior. Nesta quinta-feira, questionado por jornalistas sobre a fake news lançada contra Lula, seu porta-voz, general Rego Barros, endossou-a: “Seria muito interessante buscar as informações do governo deste cidadão que está sendo citado na pergunta para verificar quem está mentindo”. Levou também uma enquadrada de Lula: “Um general devia ser porta-voz, não porta-mentiras”.
Ainda ao justificar o desastrado apoio ao ataque de Trump – que pelos enormes custos políticos e financeiros que terá, o governo tenta agora minimizar, buscando alguma normalidade na relação bilateral – Bolsonaro mentiu novamente. Seu governo, disse, está muito preocupado com o terrorismo, inclusive na América do Sul. Citou a Venezuela, claro. E afirmou, sem apresentar qualquer prova, para espanto da imprensa argentina, que o general assassinado, Soleimani, participou diretamente do ataque terrorista à associação judaica Amia, ocorrido em Buenos Aires, no ano de 1994.
O caso de Bolsonaro pode ser patológico mas suas mentiras são engajadas, estão sempre destinadas a justificar suas decisões, mesmo quando desastrosas. Ou a desqualificar seus críticos e adversários. Algumas trivialidades soam como mentiras. Após a recente queda que sofreu, disse que ficou algumas horas com amnésia. Quando a amnésia ocorre, costuma durar mais. Diante do alto preço da carne, disse que ela agora é servida apenas duas vezes por semana no Alvorada. Os cozinheiros estão rindo até agora. Estas não importam, mas as mentiras políticas precisam ser combatidas todos os dias, de modo taxativo, com todas as letras. Um país não pode fazer vista grossa a mentiras deslavadas de seu governante. Algum dia ele vai mentir ao Congresso, e aí veremos se serão capazes de processá-lo por crime de responsabilidade.
Texto original em português do Brasil
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