– Olá, amigo. Precisava que me desse um euro para comer uma sopa.
Assim, de rompante, um vizinho pede-me um euro matar a fome. Sim, ele não era um daqueles que aparecem nos parques de estacionamento e sabemos que é para mais uma dose de haxixe, ou heroína – porque não legalizam isso?
– Ó meu. Pareces o meu pai, por isso, vou oferecer-te uma máscara de protecção contra o “bicho”.
– Ah, mas eu tenho uma máscara no bolso das calças.
– Olha lá, a Covid transmite-se pelo bolso das pantalones, como dizem os franceses?
– Ó jovem, custa-me respirar com a máscara nesta subida.
– Então, põe a máscara porque agora estás a conversar comigo. Faz como eu. Coloca a máscara para te protegeres porque eu posso ter o “bicho” e contaminar-te e nem podes saborear a sopa.
– Desculpe, mas não tenho máscara.
– És um aldrabão. Disseste há uns segundos que a tinhas no bolso das calças. Pega esta máscara e coloca-a como deve ser, tapando o nariz e a boca.
– Desculpe, senhor. Eu conheço – muito bem, sabia que não me deixava ficar descalço.
– Ele deixou-me entalado. Deu-me um valente tabefe a seguir.
O meu interlocutor não tem os 99 anos do pensador francês EDGAR MORIN habituado a ver chegar o inesperado, quando escreveu que:
a chegada de Hitler foi inesperada para todos. O pacto germano-soviético foi inesperado e inacreditável. O início da guerra da Argélia foi inesperado. Eu só vivi pelo inesperado e pelo hábito com crises. Nesse sentido, estou a viver uma crise nova, enorme, mas que tem todas as caraterísticas da crise. (…) Pensamos viver certezas, com estatísticas, previsões, e com a ideia de que tudo era estável, quando já tudo começava a entrar em crise. Não nos demos conta. (…)
Há algo que esquecemos: há vinte anos começou um processo de degradação no mundo. A crise da democracia não é apenas na América Latina, mas também nos países europeus. A dominação do lucro ilimitado que controla tudo está em todos os países. Idem a crise ecológica. O espírito deve enfrentar as crises para dominá-las e superá-las. Do contrário somos suas vítimas.
Vemos hoje instalarem-se os elementos de um totalitarismo. Este, não tem mais nada a ver com o do século passado. Mas temos todos os meios de vigilância a partir de drones, de telemóveis, de reconhecimento facial. ”
Fiquei danado quando aquele homem que me pedia um euro para a sopa me falou de uma viagem pelos comentadores nos jornais, nas televisões e nas redes sociais, uma leitura dos “posts” de alguns conhecidos militantes: anda muito pensador socialista e social-democrata alarmado com a votação que André Ventura recolhe. Mas se os militantes estão assustados, os partidos do centro nem por isso. Respondem com o silêncio à preocupação dos simpatizantes.
PS e PSD demitiram-se destas eleições. Fugiram. Enquanto meio mundo grita que será um sufrágio muito importante, por causa da pandemia e, principalmente, pela ameaça da extrema-direita, os dois principais partidos assobiam para o lado.
Mesmo o presidente-candidato, um homem que se reclama da direita social, deixa os tempos de antena em branco, quando poderia usá-los para denunciar os perigos da direita-radical-não social. Para o “rei” Marcelo Rebelo de Sousa, pelos vistos, o problema não assusta..
Indiferentes, estes partidos nada dizem. São o bloco central da indiferença.
Valham-nos os candidatos que têm tido a preocupação de o combater. Bem ou mal, pelo menos tentam.
Enquanto escolas de pensamento, PS e PSD mostram o que valem. Nada.
A conversa terminou. O Homem que me deu o tabefe — uma palavra árabe, sabiam? — é licenciado em Filosofia e trabalha no posto de combustíveis, onde, às vezes, abasteço o meu carro.
Quando o inesperado se torna familiar. Este “rapaz” era um ouvinte diário dos meus programas na Rádio Antena Minho e conheceu-me pela voz.
Eu não o reconheci pelo aspecto defenestrado – deitado pela janela fora — por esta pandemia.
E são agora tantos os “defenestrés” — como escrevem os franceses — vítimas de um Bloco Central da indiferença que, como escola de pensamento, mostra que nada vale.
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