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Sábado, Novembro 16, 2024

E se Trump se recusar a deixar o cargo?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A pouco mais de quatro meses de vista das eleições presidenciais, com a pandemia da covid-19 no auge e o rescaldo do movimento “Black Lives Matter”, vários são os cenários que já começam a aparecer nos meios de comunicação norte-americanos.

Com as sondagens a continuarem a dar maior favoritismo ao candidato democrata, nomeadamente com a notícia de que Joe Biden conta com 14 pontos de vantagem sobre Trump, continuaram surgir comentários e análises sobre os possíveis cenários pós-eleitorais, que justificam observação mais detalhada sobre as diferentes situações. A generalidade dos observadores aceita tacitamente que se a diferença de votos entre os dois candidatos for reduzida é mais que certo que Donald Trump não irá aceitar o resultado e na sequência disso quase tudo pode acontecer…

Cenários possíveis

E entre os que esperam que Trump alegue a existência de fraude em caso de derrota eleitoral, são apontados dois cenários possíveis:

Trump alega fraude e o Partido Republicano apoia-o num processo judicial

Entre o argumentário, prontamente difundido via Twitter no final da votação popular, deverá surgir a alegação da participação de emigrantes ilegais, o prolongamento dos horários eleitorais e a validade do voto por correspondência (para se ter uma ideia da viabilidade destas hipóteses talvez baste recordar que Trump, no auge de uma epidemia que assola o país, não hesitou em lançar uma campanha para desacreditar o voto por correspondência); as principais figuras republicanas hesitam entre a condenação e o apoio da atitude presidencial, mas a ideia ganha rapidamente terreno entre os indefectíveis e os republicanos mais radicais, podendo até surgir acusações formais contra o Partido Democrata.

A disputa é reencaminhada para os tribunais. Sustentada nas mais variadas alegações e nas subtilezas do argumentário jurídico (veja-se o evidente exemplo da disputa entre George W. Bush e Al Gore, na eleição de 2000) a transferência do diferendo para um sistema jurídico baseado na nomeação política dos juízes (e Trump nomeou um número historicamente alto de juízes federais e acrescentou dois juízes ao Supremo Tribunal) deixa antever um resultado claramente favorável às pretensões do candidato à reeleição. A única dúvida poderá situar-se na dimensão do diferencial de votos, já que uma diferença da ordem dos milhares poderá representar um travão que outra de umas centenas nem lembrará.

Os republicanos jogam um jogo constitucional extremamente duro

Os tribunais não são o único mecanismo que os republicanos podem usar para manter Trump no poder já que a Constituição dá aos legisladores estaduais liberdade para decidir como seleccionar os seus representantes ao Colégio Eleitoral. Na maioria dos estados é legalmente exigido que os representantes respeitem a vontade dos eleitores, mas num estado onde os republicanos controlem o governo e as duas câmaras da legislatura estadual poderiam, em teoria, aprovar um projecto de lei que retirasse esse poder aos cidadãos entre a eleição e a votação no Colégio Eleitoral.

Por absurdo que nos possa parecer, no sistema norte-americano esta hipótese não é tão descabida quanto isso e para o provar basta lembrar que em finais de 2018 e na sequência da eleição de governadores democratas nos estados de Michigan e Wisconsin, registaram-se, com graus de sucesso variáveis, tentativas legislativas para limitar os seus poderes.

Há até quem levante a hipótese de, em estados onde as respectivas câmaras legislativas apresentem maiorias republicanas, uma eventual não decisão judicial poder ser resolvida mediante o recurso a uma iniciativa legislativa que dê poder directo ao governador do estado para nomear os delegados desse estado, sob a alegação de fraude e a coberto da controvérsia sobre a contagem dos votos populares permitam afirmar que o voto popular não é confiável e que por aquela via apenas se está a implementar a verdadeira vontade dos eleitores.

Edward Foley, especialista em questões eleitorais e professor de direito constitucional na Ohio State University citado neste artigo, está mais preocupado a ocorrência de cenários que envolvam o Congresso do que com uma eventual manipulação judicial ou até com a hipótese dos políticos se recusarem a aceitar a decisão dos tribunais. É que se a Décima Segunda Emenda da Constituição dá a palavra final ao Congresso sobre quem se torna presidente, não é assim tão evidente qual das câmaras (representantes ou senadores) será chamada a decidir. Se houver três ou mais candidatos e ninguém ganhar a maioria dos eleitores, por exemplo, a Câmara dos Representantes nomeia o presidente e o Senado o vice-presidente, mas se for uma corrida a dois, na qual ambos os candidatos reivindicam a maioria do Colégio Eleitoral, não é evidente qual das câmaras terá a última palavra e o que se poderá seguir será uma incógnita com fortes probabilidades de se traduzir numa crise prolongada e numa evidente quebra na credibilidade das instituições.

É aqui que as reacções da administração Trump à recente agitação social podem adquirir outra importância e dar maior credibilidade a possíveis cenários de algum tumulto e violência civil, pois ninguém imaginará Donald Trump a resistir a inflamar ainda mais os seus partidários. Só uma derrota expressiva deverá levar as principais figuras do Partido Republicano a manifestarem-se pública e abertamente no sentido de bloquear a hipótese de Trump se recusar a aceitar o resultado eleitoral.

Pese embora o facto amplamente reconhecido da animosidade geral da imprensa contra a figura de Donald Trump – o que implica redobradas cautelas na leitura dos resultados de sondagens, de parangonas e até de afirmações de especialistas e comentadores – não será de admirar, depois de tudo o que temos visto durante este mandato e até da recente noticia que Trump alimenta e agrava tensões nacionais na comemoração do 4 de Julho, que grasse a preocupação entre especialistas e observadores quanto ao futuro próximo do país. É que perante hipóteses tão pouco animadoras parece cada vez menos provável a ocorrência de uma transferência de poderes tranquila, algo que contribuísse para a pacificação política e social de uma nação cujo actual líder tem feito tão pouco nesse sentido.


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