O “é toupeira ”, vamos baptizar assim este número de variedades e entretenimento que está na ordem do dia, diz respeito, tanto quanto percebi, a umas vendas de informações feitas por agentes da justiça, funcionários com acesso aos processos, a troco de benefícios. Nada de invulgar.
O que mais temos assistido é à publicitação de informações vendidas para as capas dos jornais e aberturas de telejornais a partir de processos.
A novidade que ficamos a dever à malta da bola não é a de sabermos da existência de toupeiras pagas no sistema judiciário. A novidade foi o sistema judiciário ter, pela primeira vez, anunciado que apanhou exemplares das “é toupeiras” em pleno labor. Curiosamente não no seu habitat da traficância política, mas no do segredo de negócios da bola! Que alguns querem impingir como o oxigénio da pátria!
Uma hipótese para tal revelação é dever-se a um engano, a outra é ser o resultado de lutas de gangues, muito vulgar entre grupos mafiosos. Deveríamos então ficar agradecidos à malta da bola, embora seja gente capaz de tudo, por nos revelar com certeza jurídica que há “é toupeiras” na justiça. O que nunca fora admitido.
A questão que esfria o entusiasmo é a possibilidade de estarmos perante um fogo-de-artifício lançado pela comunicação social e pelos agentes da justiça para nos desviarem os olhares do que é verdadeiramente importante. O “é processo” não seria assim mais do que uma cortina de fumo para manter o negócio da venda de informações dentro da prática vigente de tratar de negócios através da corrupção ou da chantagem de decisores políticos, utilizando a informação judicial!
Porque foi o sistema de investigação judicial capaz de chegar com tanta facilidade e rapidez às “é toupeiras” que vendiam segredos do futebol? Tanto quanto é público segredos típicos da espionagem entre empresas do mesmo ramo.
Porque nunca conseguiu o sistema judicial apanhar as “é toupeiras” que venderam ao Correio da Manhã, apenas para citar o caso mais exuberante, as informações dos processos do e-juiz Alexandre, do e-procurador Teixeira, entre outros? Processos que dizem respeito não a eventuais bens materiais, mas a bens de maior valor, que colocam em causa, antes de julgamento, a dignidade (ou falta dela), o bom ou o mau nome de cidadãos que, independentemente da opinião que cada um possa ter deles, desempenharam funções de grande relevo político, com intervenção em decisões que valiam milhares de milhões de euros em concessões de longo prazo, em infraestruturas do país?
O sistema judicial – polícia e procuradoria – descobre com facilidade e rapidez toupeiras que vão ao sistema informático da investigação judicial e vendem a uma empresa – uma SAD – informações sobre emails a propósito de árbitros da bola e viagens oferecidas, empregos num museu a um sobrinho e cachecóis (minudências e tralha diversa), mas não consegue descobrir quem “toupeirou” e vendeu a certa comunicação social gravações de um primeiro-ministro, de ministros diversos, de banqueiros donos disto tudo sobre os negócios e o desmantelamento da maior empresa tecnológica portuguesa – a PT – além do mais a operar no ramo estratégico das telecomunicações! Por exemplo.
Não me entusiasmo com a vitória de quaisquer cores clubistas em camisolas ou em chuteiras, nem com os feitos em 4-4-2 da equipa de todos nós, ou de todos os outros, nem com as transferências de médios alas, nem com as declarações que oiço a sábios capazes de distinguir um mão na bola de uma bola na mão, nem de reconhecer as qualidades técnicotáticas de um reforço para fazer a posição 8, ou 6 – que eu julgava serem retiradas do Kama Sutra. Entendo que o resultado de todos os jogos deve ser obtido de forma limpa, sem toupeirices, incluindo aqueles em que o cidadão e o sistema judicial se enfrentam e defrontam perante a Lei. Entendo que devemos viver num sistema de justiça sem toupeiras. Não é isso que entendo estar a acontecer com este “é toupeira da bola”.
O problema não é de ismos: benfiquismos, sportinguismos, portismos. Bullshit para os ismos, se me faço entender. O problema é de confiança, ou não, no sistema judicial, em particular no ministério público.
Enquanto cidadão ficaria muito mais grato ao futebol se o mundo da bola tivesse, com este processo do “é toupeira”, ajudado a trazer à luz do dia as muitas toupeiras que têm corrompido as raízes do Estado de Direito com a traficância de tanta capa de jornal, do que com um cabaz de vitórias europeias ou mundiais! Até aceitaria ser transportado em manada de claque numa gaiola de segurança para assistir a um jogo! Mas não acredito nas propriedades desinfectantes do futebol!
Desconfio que, infelizmente, continuarei sem ir à bola. Desconfio que o “é processo” da “é bola” se arrastará à velocidade e pelos caminhos que convierem ao sistema judicial para encobrir o que será inconveniente ser julgado segundo a lei.
As toupeiras dos “não é processo” do Marquês e do BES, da LENA e da PT, do aeroporto e dos submarinos, das PPP e dos colégios privados, dos empréstimos sem garantias da CGD e da falência do BPN continuarão o seu labor sem intromissões nem descobertas inconvenientes. Essas nunca serão apanhadas!
Deste exótico “é processo” da bola restarão as habituais ladainhas para crentes de que “a justiça é igual para todos”, “que ninguém está acima da lei” e outras salmodias costumeiras.
Deste processo se dirá, em antecipação, o que já foi dito no tempo das invasões francesas: Tudo como dantes, quartel em Abrantes.
Para os incorrigíveis adeptos da bola resta deixarem-se a ser entretidos com as habilidades de 22 artistas contratados para o efeito com a respectiva cláusula de rescisão!
Até ver (ou até VAR), o sistema judicial gosta mais de toupeiras do que lhe acertam nas bolas!
A tragicomédia da justiça portuguesa alicerçada na acefalia dos media
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