É historicamente bem conhecido o facto das grandes convulsões económico-sociais e políticas originarem formas de pensamento diferentes das tradicionais. Eis algumas delas.
Não é de estranhar pois que com o despoletar da Crise Global em 2007/2008 tenham surgido, com maior ou menor repercussão, nos meios de comunicação referências a novas correntes de pensamento ou a recuperação de outras que na sua época passaram quase desapercebidas.
![](https://www.jornaltornado.pt/wp-content/uploads/2019/12/Christian-Felber.jpg)
Integrado neste fenómeno, podemos fazer referência ao modelo conhecido como Economia do Bem Comum, desenvolvido já neste século pelo austríaco Christian Felber que o apresenta como uma alternativa teórica às correntes estabelecidas pelo dominante capitalismo de mercado ou da sua concorrente economia planificada. Estas duas escolas de pensamento, tiveram início com Adam Smith e David Ricardo (para a economia de mercado) e com Karl Marx (para a economia planificada) entre finais do século XVIII e princípios do século XIX e criaram duas grandes linhas de pensamento que perduram, com maiores ou menores reformulações, até à actualidade.
A aproximação de Felber a abordagens menos ortodoxas poderá datar da sua participação como co-fundador da ATTAC na Áustria; a “Associação pela Tributação das Transacções Financeiras para a Acção Cidadã”, mais conhecida pela sigla ATTAC, é uma organização criada a partir de uma proposta de Ignacio Ramonet, que em 1998 defendeu a aplicação de um imposto sobre movimentações financeiras internacionais (a chamada Taxa Tobin, sugerida em 1972 pelo economista norte-americano James Tobin com a aplicação de um imposto de 0,1% sobre as transacções financeiras internacionais com o objectivo de reduzir a especulação financeira e destinada ao financiamento da ONU ou à ajuda aos países do terceiro mundo), para restringir a especulação e financiar projectos de desenvolvimento ecológico e social, que posteriormente ampliou o seu campo de intervenção e interesse, incluindo todos os aspectos relacionados com a globalização, passando a monitorizar as decisões da Organização Mundial do Comércio (OMC), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e acompanha as reuniões do G8 com o objectivo de influir sobre as decisões dos formuladores políticos.
Felber define como princípios gerais do seu modelo a adaptação da economia capitalista real (onde prevalecem valores como lucro e a competição) a princípios mais sustentáveis e a sua orientação por uma série de princípios básicos que representam valores humanos, como a confiança, a honestidade, a responsabilidade, a cooperação, a solidariedade e a generosidade.
Para os defensores da ideia da Economia do Bem Comum, as empresas que se orientam por esses princípios e valores deveriam obter vantagens legais que lhes permitam sobreviver aos actuais valores do lucro e da concorrência, pois na economia real da actualidade, o sucesso económico é medido com valores ou indicadores monetários, como o produto interno bruto (PIB) e o lucro, indicadores que deixam de fora os seres humanos e o ambiente em que vivemos e que nada informam sobre a envolvente sociopolítica nem sobre o ambiente, da mesma forma, que os lucros de uma empresa nada dizem sobre as condições dos seus trabalhadores ou sobre o que se produz ou como se produz.
Ao contrário, o conceito de equilíbrio na Economia do Bem Comum procura medir a actividade empresarial em termos de dignidade humana, de solidariedade, de justiça social, de sustentabilidade ecológica e democracia com todos os seus fornecedores e clientes, valores que deveriam sustentar também as escolhas e preferências dos consumidores.
A implementação deste modelo tem sido ensaiada por um grupo de empresas que se voluntariou para cumprir os requisitos da Economia do Bem Comum, grupo que tem procurado pressionar o governo para que aqueles princípios teóricos sejam definitivamente traduzidos em leis declaradamente menos favoráveis aos princípios da economia de mercado.
![Karl Polanyi](https://www.jornaltornado.pt/wp-content/uploads/2019/12/Karl-Polanyi.jpg)
A proposta de Felber poderá remontar à de outro economista heterodoxo, o também austríaco mas de ascendência húngara, Karl Polanyi, que em meados do século XX apresentou uma abordagem na linha da antropologia económica que destaca as relações entre economia, sociedade e cultura; esta tese foi proposta na sua obra «A Grande Transformação», que introduziu o conceito de “embeddedness”(imersão) segundo a qual os indivíduos e as suas relações se encontram imersos em instituições culturais historicamente constituídas que os condicionam, sendo as relações económicas parte dessas instituições sociais e da sua lógica.
Curioso, ou talvez não, é o facto de Polanyi e Felber não apresentarem formação de base na área da economia, mas sim na das ciências sociais (antropologia e sociologia, respectivamente) o que poderá explicar as suas abordagens menos ortodoxas e mais abrangentes.
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